Sim, é muito bom chegar aos 80 com vida e, ainda, saúde, vencendo batalhas e embates físicos e emocionais… Mas foram — até agora — batalhas ganhas, claro, que deixaram marcas, porque viver é um eterno aprendizado. Então o sentimento predominante é de alegria e orgulho por estar hoje aqui e ser o que sou ou no que me transformei com a vida me esculpindo e dando novas formas.
Estar produtiva é ótimo — poder ainda ter tesão de criar, inventar novos projetos, um novo filme, ter novos aprendizados. Comemoro, além dos 80 anos de vida, os mais de 40 de cinema-documentário, já que, além do jornalismo, onde comecei, o cinema, a expressão audiovisual, tem sido, nesses últimos 40 e tantos anos, minha forma predominante de expressão e comunicação com o mundo.
Nostalgia? Há algumas, das coisas não consegui ter ou realizar como, por exemplo, filhos, família. Mas essa nostalgia é logo superada por novos horizontes, encontros, descobertas, realizações e projetos. Ter projetos de quaisquer tipos é fundamental. E principalmente não chorar sobre o “leite derramado”, e me refiro às perdas, de pessoas queridas, de planos que não foram realizados. No entanto me consolo, dizendo que, numa só vida, não é possível fazer de tudo, ter tudo — teriam que existir outras vidas. Há, claro, a consciência da finitude, e isso ainda me assusta um pouco. Aprender a morrer deve ser tão básico como aprender a viver porque a morte é parte da vida. A dificuldade reside em gostar da vida e de tudo de bom e positivo que ela oferece: natureza, relacionamentos, afetos, descobertas, realizações, compartilhamentos. Amo viver. “Gracias à la vida”, como compôs a chilena Violeta Parra, música que ficou eternizada na voz potente da cantora argentina Mercedes Sosa.
Todas essas reflexões e pensamentos inerentes a quem faz 60, 70, 80 anos, como eu, me levaram a aceitar um oportuno convite da produtora Juliana de Carvalho, da Bang Filmes. A ideia do novo projeto é colher depoimentos de mulheres maduras com faixa etária próxima a minha, ou mesmo de mulheres que trabalham com a questão da finitude, sobre como estão vivendo este momento. Vamos conversar sobre a experiência da passagem do tempo. Assim, esses encontros vão se transformar no documentário “Mulheres Maravilhosas”. Serão incluídas mulheres famosas, já conhecidas da mídia e outras anônimas, com experiências, raças e classes sociais diferentes. Uma das personagens a ser convidada a participar do documentário será a médica especializada em cuidados paliativos, Ana Cláudia Quintana Arantes. Em seus livros, ela aborda o tema da finitude sob um ângulo surpreendente. De acordo com ela, o que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la, de não usarmos nosso tempo da maneira como gostaríamos. É disso que se trata.
Sobre a situação do Brasil à época em que filmei “Lages, a força do povo ” — por volta de 1982 — e hoje, há sim paralelos e semelhanças.
Quando filmei “Lages”, tinha recém-voltado do exílio e, seguindo os passos e sábios conselhos do amigo Márcio Moreira Alves, que também contribuiu com a pesquisa do documentário, registrei uma experiência positiva e democrática de administração municipal em Santa Catarina. Estávamos no final do governo militar, da repressão, da censura.
Hoje, vejo semelhanças porque estamos novamente saindo da cratera vulcânica deixada por apenas quatro anos do governo de Bolsonaro e sua tropa retrógrada, fascista, totalitária e burra, pois trabalhou contra a cultura, a ciência, a saúde, a educação, etc. e tal. A única diferença é não ter havido repressão militar de prisões e tortura, o que indica que caminhamos para uma situação melhor, que conquistamos alguma estabilidade, que construímos, após o processo de redemocratização e a anistia, estruturas democráticas no País. Mas se os governos militares destruíram muitos valores e vidas em cerca de 20 anos, o governo Bolsonaro destruiu também muitas conquistas democráticas em apenas quatro anos. Mas agora abrimos um novo ciclo. Vamos trabalhar e aproveitar para construir e reconstruir o País e nossas vidas, como se estivéssemos fazendo 80 anos pela primeira vez. E assim será!
A carioca Tetê Moraes é documentarista, completa 80 anos neste domingo (22/01), com novos projetos e muitas comemorações, entre elas, sessão da cópia remasterizada de seu primeiro longa, “Lages, a força do povo” (1982), no Estação Net Rio, em Botafogo, na segunda (23/01), às 20h, seguido de bate-papo mediado pela atriz Lucélia Santos, com Tetê e seu amigo, o cineasta Noilton Nunes.