No último fim de semana, a notícia de que o Supremo Tribunal Federal havia decidido, por maioria de votos, anular o processo instaurado contra o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, na Justiça Federal do Paraná e, reconhecendo o excesso de prazo para sua conclusão, revogar a prisão preventiva decretada, gerou enorme repercussão.
Afinal, o ex-governador Sérgio Cabral é réu confesso da prática de diversos crimes graves e já foi condenado em vários processos a penas que, somadas, ultrapassam 400 anos de prisão.
Assim, como imaginar que um indivíduo que admitira o recebimento de quantias milionárias a título de propina e fora condenado a tão elevadas penas pudesse ser posto em liberdade depois de “somente” seis anos de prisão?
Como não poderia deixar de ser, o sentimento inicial de nossa sociedade foi o de impunidade, cuja causa foi atribuída aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez equivocadamente apontados por muitos como responsáveis pelo ocorrido.
Todavia, uma análise cuidadosa da situação à luz do que preveem a Constituição Federal e o Código de Processo Penal leva à constatação de que a decisão proferida pelos ministros do STF encontra-se correta, não sendo a Suprema Corte, em absoluto, responsável pela situação que, naturalmente, gerou um enorme sentimento geral de impunidade.
Isso porque, tanto o Código de Processo Penal Brasileiro quanto a Constituição Federal estabelecem que ninguém poderá ser tratado como culpado – não importa o quão grave seja o crime atribuído — antes que uma decisão condenatória se torne definitiva.
Ainda segundo a nossa legislação, um acusado só poderá ser preso antes de condenado definitivamente se a sua liberdade colocar em risco concreto a investigação em curso, o processo instaurado ou a aplicação de uma pena futura.
Dito de outra forma, a prisão preventiva não se confunde com antecipação de pena, ainda que uma condenação seja altamente provável.
Nesse sentido, apesar de não prever um prazo específico para que o processo seja encerrado, a nossa legislação garante a todos os acusados o direito ao julgamento dentro de um espaço de tempo justo e razoável, não sendo admissível que o réu aguarde indefinidamente preso até que o Estado cumpra a sua função e chegue a uma solução definitiva para o seu caso.
Segundo a jurisprudência brasileira, a razoabilidade do prazo para a conclusão de um processo criminal deve ser analisada caso a caso, tomando-se como referência a complexidade dos fatos, o número de acusados e a postura adotada pelas partes durante a tramitação do feito.
Assim, tendo em vista que o processo a que responde o ex-governador Sérgio Cabral no estado do Paraná foi anulado justamente porque a competência para a análise do caso seria da Justiça Federal do Rio de Janeiro, a instrução processual terá que ser, ainda que parcialmente, refeita.
E quem são os responsáveis por isso? Os ministros do Supremo Tribunal Federal? Ou os representantes do Ministério Público Federal do Paraná e o ex-juiz Sérgio Moro que, em clara afronta ao que diz a lei, forçaram uma situação juridicamente inaceitável?
Para respondermos a essa indagação, pensemos no seguinte exemplo: imaginemos que algumas pessoas estejam sem moradia e um prédio seja construído às pressas com base em um projeto inteiramente equivocado.
Digamos que essas pessoas passem a residir nesse edifício por um determinado período até que a fiscalização, após analisar o projeto e verificar que o prédio possui seríssimo risco de desabamento, interdita o imóvel, deixando todos sem acesso à moradia.
Quem seria o responsável? A fiscalização, que aplicou a lei e impediu que cidadãos residissem em um imóvel com risco de desabamento? Ou o engenheiro que, ainda que motivado por uma causa nobre, violou todas as regras próprias de sua atividade e fez um projeto que não poderia se sustentar em pé?
Essa é, precisamente, a hipótese do caso.
Imbuídos do desejo de investigar e punir gravíssimos crimes praticados por servidores públicos, agentes do Estado subverteram a lei e contrariaram expressamente o que dizem o Código de Processo Penal e a Constituição Federal, levando à anulação de seus atos e impondo que o “prédio” seja construído novamente, se não do zero, ao menos de suas bases estruturais.
Esperemos que essa situação sirva para que a sociedade compreenda, de uma vez por todas, o quão nocivo é a criação da figura de promotores e juízes heróis, autorizados a rasgar a lei que juraram defender, ainda que o fazendo por motivos nobres.