Sempre fui apaixonado por arte. Lembro, como se fosse ontem, a primeira vez em que me emocionei por algum tipo de expressão artística. Eu devia ter uns 11 anos quando meu pai me levou ao show de um coral gospel do Harlem no Rio. Apesar de ser novo demais para entender a conotação religiosa do espetáculo ou a mensagem por trás daquelas músicas, em certo momento, comecei a chorar e, mesmo confuso, me permiti sentir aquilo tudo sem tentar esmiuçar ou compreender o que estava acontecendo.
Mais tarde se repetiu em outras circunstâncias. Ainda jovem, reconheci o valor que tem um bom filme, uma performance de dança, um museu de tirar o fôlego, um texto inspirado ou uma exposição certeira.
Entender aquilo que a gente gosta de fazer frequentemente nos dá uma ideia das nossas vocações. Costumo dizer que a gente não deve investir nos nossos sonhos, mas sim nos nossos talentos; no meu caso, era fácil imaginar qual seria meu rumo profissional. Na escola, eu era péssimo em Matemática, uma negação em todos os esportes e um desastre em tecnologia; no entanto, adorava línguas, redação e qualquer oportunidade que me permitisse ser criativo artisticamente.
Aos 16 anos, fiz intercâmbio cultural em Lynchburg, uma cidade pequena no estado da Virgínia. Foi lá que tive meu primeiro contato com o universo da fotografia, graças a uma aula obrigatória no meu currículo. Como vivíamos em uma época pré-smartphones e câmeras digitais, fui obrigado a descobrir as etapas da revelação de uma imagem, a diferença que a exposição ideal faz, a importância da velocidade de um diafragma e o barato que é enxergar uma obra nascer dentro de um quarto escuro.
Hoje sei que o aspecto técnico dessa arte é só o início do processo. Desenvolver um olhar fiel ao próprio DNA é um passo muito mais trabalhoso e, a meu ver, importante.
Ao longo das últimas duas décadas, tive o privilégio de mergulhar em algumas das realidades mais fascinantes do Planeta, enquanto visitava 73 países com minha câmera debaixo do braço. Apesar de enxergar meu trabalho jornalístico como algo separado das minhas ambições artísticas, as duas empreitadas têm um aspecto em comum: na frente ou atrás das câmeras, eu sempre me interessei por gente.
Da mesma forma que não tenho o menor interesse em compartilhar dicas turísticas na televisão, minha lente também navega por um mundo de sensações e experiências fundamentalmente humanas.
Nunca acreditei em atalhos. Talvez por isso tenha levado tanto tempo para compartilhar minhas obras. Estudei, li, tentei, errei, aprendi e me apaixonei pelo trabalho de gênios, como Garry Winogrand, Diane Arbus, Cartier Bresson, Ed Van Der Elsken, Graciela Iturbide, Anders Petersen, Vivian Maier e Sebastião Salgado.
A esta altura do campeonato, é incontestável que exposições não sejam apenas um apanhado de obras; pelo contrário, se forem elaboradas corretamente, elas contam uma história clara e específica. Com isso em mente, decidi, pela primeira vez, dividir algumas das minhas com o mundo.
Apesar de ter desenvolvido essas imagens em lugares totalmente distintos, acredito que meu olhar tenha identidade formada. As conexões entre os trabalhos são claras, e é impossível não observar o que de fato mexe comigo. Seja em comunidades indígenas na Amazônia Equatoriana, seja em rodeios mexicanos, seja dentro de igrejas esculpidas em pedra na Etiópia, o protagonismo dessa exposição não está no aspecto geográfico.
Acredito que a gente viva no espaço entre duas dimensões: uma que faz parte do universo ao nosso redor e outra que se passa no âmbito emocional. Frequentemente explorar o lado de fora é mais simples que mergulhar no lado de dentro. Meu interesse em quase tudo que faço vive na intercessão entre essas duas realidades.
Evito falar sobre minha arte porque acredito que ela tem voz própria — não há maneira equivocada de interpretar o que está na nossa frente. Cada um vai ter uma opinião, uma ideia, uma crítica e, se eu tiver feito meu papel, um sentimento diferente.
O processo de criação dessa mostra na galeria Anita Schwartz me ensinou algumas coisas, mas talvez a mais inusitada tenha sido a sensação de apego e possessividade pelas minhas obras. Por mais piegas que isso possa parecer, o sentimento é que, quando essas imagens forem para seus respectivos lares, elas levem também um pedaço de mim. No final das contas, está tudo no lugar certo… Elas e eu, em outro lugar.
Pedro Andrade é carioca radicado em NY há mais de 20 anos. O jornalista, autor e fotógrafo é o primeiro e único apresentador brasileiro a ter um programa em rede nacional americana. A terceira temporada de seu programa “Entre Mundos” é recorde de audiência nacional e está no ar agora, na CNN Brasil. Pedro inaugura a exposição “Outro lugar”, na galeria Anita Schwartz, na Gávea, dia 6 de dezembro, permanecendo até 28 de janeiro.
Foto: Pedro Pedrosa