No afã de adiar o inadiável, evitar o inevitável, viabilizar o inviável e possibilitar o impossível, resolvi tentar levar uma vida mais saudável.
Repare que digo “mais saudável” (sem especificar o adicional de saúde a ser incrementado) e não pura e simplesmente “saudável”, o que significaria uma saudabilidade absoluta.
Não. A saúde em sua plenitude é uma espécie de doença. Envolve a negação dos prazeres, a proscrição da autoindulgência, o patrulhamento das vontades e o empoderamento do superego — logo, tem tudo para se tornar uma obsessão, um martírio.
Só não quero passar a frequentar mais a farmácia que a praia, ir mais ao ortopedista que ao cinema ou fazer mais exame de rotina que sexo. Tudo isso já está acontecendo, daí a necessidade urgente de (tentar) reverter o quadro.
Como detesto música de academia, roupa de academia, conversa de academia, ambiente de academia e, principalmente, espelho de academia, resolvi contratar um personal e me tornar, sem alarde e sem demora, um coroa fitness.
Para isso, meu primeiro desafio tem sido incorporar um novo vocabulário. Assim como no caratê se aprende antes a gritar e, só depois, a dar os golpes (golpe de caratê, sem o grito, não faz qualquer efeito), estou numa imersão linguística como preparação para os alongamentos e levantamentos de peso que hão de começar um dia.
Primeiro passo: alimentação. Por não comer carne (lição 1: não é “comer carne”, é “ingerir proteína animal”), meu ganho de massa muscular (lição 2: não é muque nem músculo: é “massa muscular”) fica comprometido.
Não adianta caprichar numa cumbuca enorme de salada. Tem que ser num bowl. Fale “cumbuca” perto de um marombeiro e é capaz de você de ouvir que “cumbuca é a mãe”. Isso se não houver uma mandíbula deslocada e escoriações generalizadas. Bowl. Deixe a cumbuca para quando tiver uma recaída e for comer feijoada.
Nunca pergunte quantas colheres de whey tem que colocar na vitamina. Primeiro que não é vitamina: é shake. Segundo que não e colher, é scoop. No meu caso, é um scoop de whey para 250 ml de shake. Faço com leite vegetal, banana e umas pedras de gelo, e bato no liquidificador — ops, no mixer — até ficar um smooth.
Segundo passo: hidratação. Gente fitness não bebe água: se hidrata. Para isso, tem que carregar, para cima e para baixo, aquela mamadeira. Que — estou aprendendo — apesar de ser uma mamadeira, se chama, eufemisticamente, squeeze. Mesmo um frango como eu tem que ter sempre um squeeze por perto.
Frango é o substantivo bem pouco vegano que designa um sujeito que ainda não virou rato. Rato é quando você já conhece o nome de todos os exercícios e feixes musculares. Frango é quando dói só de pensar em se exercitar e você não tem sequer um feixe muscular digno desse nome para chamar de seu.
O sonho impossível de todo frango é vir a ser reconhecido como marombeiro. E marombeiro é o estágio intermediário entre o frango e o monstro. O que os diferencia? O shape.
Uma vez sugado ao abismo do mundo fitness, você não tem mais corpo nem forma: tem shape. Ou (sim, sempre pode piorar) carcaça.
Para ter um bom shape, muitos acabam apelando para veneno — forma carinhosa de o marombeiro se referir aos esteroides. Quem toma veneno para virar um fortinho feique é um tremboliar (mistura de trembolona + liar). Um hipertrofiado raiz jamais entraria numa dessas.
Já aprendi que série não é aquilo que faz a gente ficar horas na Netflix: é uma repetição de movimentos, às vezes até fadigar. E que fadigar é concluir que isso não é vida de gente, jogar a toalha (muitas vezes, literalmente) e me dar conta de que, para 6.3 até que não estou tão mal assim. E que quem não foi sarado aos 30 não será trincado aos 60.
O passo seguinte é encher uma cumbuca com amendoim, castanha e passas, abrir uma cerveja, retomar uma série (daquelas da Netflix) e avisar ao personal que hoje não vai dar pra treinar. Por uma tarde, esquecer o shape e o shake, e desistir de alcançar o inalcançável, reverter o irreversível e iludir a iniludível.