O voto continua secreto, mas o chá de revelação da sexualidade parece estar se tornando mandatório. E, para compensar a binariedade política que nos acometeu, no sexo o que não falta é alternativa.
Uma cantora famosa, de quem eu nunca tinha ouvido falar, se declarou demissexual.
Tive que ir ao dicionário (mentira, fui ao gúgol) para descobrir o que seria isso. Vai ver que eu também era e não sabia.
“Demi” é um prefixo latino que, a menos que venha seguido do sufixo “Moore”, quer dizer “meio”, “metade”. Mais ou menos como “hemi” (de “hemisfério”) ou “semi” (de “semicírculo”). O vinho “demi-sec” é meio seco. Havia, até algum tempo atrás, a “demi-vierge” (que o Kleiton e o Kleidir imortalizaram como “é virgem / só que morou no Rio”).
Seria demissexual aquela pessoa que gosta do sexo pela metade? Tipo só as preliminares, ou só os finalmentes? Ou, levando a coisa ao pé da letra, a que só curte o meio, o miolo, a muvuca — dispensando o chove-não-molha do aquecimento e a chatice da mesa redonda com os comentaristas depois?
Não. Demissexual — aprendi — é quem sente atração pela pessoa, independentemente do gênero. O que conta é a conexão.
Mas qual a novidade? A maioria de nós não é assim? A não ser para quem pratica profissionalmente o esporte mais antigo da Humanidade, tudo não depende de alguma química, uma fagulha, um não sei quê que não se entende?
Então, eu sou demissexual também, ora. E não apenas. Se é para gurmetizar o tesão, venho declarar solenemente que sou também metassexua (não adianta ir ao gúgol, porque acabei de inventar):
Metassexual — s.m. e f. Aquele que acha que sexo, mesmo quando é só sexo, nunca é só sexo. Que no sexo, por casual que seja, tem que ser algo que vá além (como na metáfora, na metafísica). Que seja reinventado e único a cada vez, numa metamorfose. Que se volte sobre si mesmo e se reconfigure, como na metalinguagem.
Sou também retrossexual, porque, depois de certo tempo, dá saudade da curiosidade lá das primeiras vezes. Da palpitação, do calafrio, da descoberta. Retrossexual, como quem olha pelo retrovisor, como quem vê em retrospectiva. Não, como retrógrado, não, que os retrógrados não sabem o que estão perdendo.
Certamente ultrassexual — o que entende que é preciso ir sempre mais adiante, ultrapassar barreiras, cometer alguns comedidos excessos. Ultrassexual, s.m. e f. — Aquele cujo desejo está na vanguarda do que o desejo pode ver, como o ultrassom, o ultravioleta.
Talvez ectossexual — o que percebe no sexo uma energia a ser exteriorizada, como um ectoplasma. E endossexual, porque também envolve um processo interior – e às vezes complicado (como na endocrinologia) e nada prazeroso (como a endodontia, que é o tipo de coisa da qual não se deve lembrar quando o assunto for sexo, sob pena de estragar tudo).
Ortossexual — o que faz a coisa certa, by the book (como na ortodoxia, na ortografia, na ortopedia). Mas, eventualmente, cacossexual — que põe tudo por água abaixo (como no cacófato, na cacofonia, no cataclismo). Termossexual (quanto mais quente, melhor), sesquissexual (quando uma vez rola de boa, duas nem tanto, então a gente fica em uma vez e meia e não se fala mais nisso), acrossexual (enquanto a coluna ainda permite alguma acrobacia), pneumossexual (quando a gente até quer, mas falta fôlego).
Enfim, se um dia eu tiver mesmo que me enquadrar num desses rótulos, publicamente, para mostrar como sou fora da caixinha, talvez eu diga que sou edussexual. Que tem algo a ver com educado, pouco com edulcorado, e tudo, 100% de tudo, a ver comigo mesmo.
Recomendo à Lu que se declare lussexual, à Dani que assuma sua danissexualidade e que a gente ponha um ponto final nesse exibicionismo sendo apenas eussexual (os mais metidos a besta podem ser egossexuais, mas esses que se virem com interpretações equivocadas sobre possíveis egolatria, egoísmo, egocentrismo). E todos discretamente criptossexuais, porque com certa reserva, sigilo e mistério é muito mais divertido.