Depois de 70 anos de reinado, morre a monarca mais antiga em exercício. Elizabeth II é o fim de uma era. E pensar que ela assistiu a todas as transformações que o turbulento século XX viveu, como o aparecimento e o desaparecimento dos Beatles; Winston Churchill, como primeiro-ministro quando ela assumiu… Desde então, foram mais de 16 primeiros-ministros.
Ela talvez seja o último exemplar das monarquias que conseguiram separar as vidas pública e privada, guardando sempre a dignidade do cargo. Neste momento, nós, no Brasil, estamos precisando tanto de dignidade de alguém que encarnasse a nação, que respeitasse o protocolo, o cerimonial, e eles lá tiveram essa figura emblemática que o mundo inteiro reverencia. Quando falo de protocolo e cerimonial, estou falando de dois instrumentos extremamente importantes na política: o de apaziguar conflitos e o que vai determinar o lugar de cada um, sem que haja conflitos de interesses ou de vaidade.
Então, ela foi alguém que cumpriu esse papel. Talvez, pessoalmente, fosse uma aristocrata inglesa que gostava de cavalos, cães e pudesse viver tranquilamente no campo. No entanto, começou a trabalhar aos 27 anos, quando subiu ao trono, até hoje, cumprindo todas as suas obrigações. Foi uma rainha que reinou, mas não governou. Cumpriu seu papel, falou o que tinha que ser dito, foi a representante do povo e da instituição secular. Temos, na rainha da Inglaterra, do Reino Unido, da Grã-Bretanha, da Irlanda do Norte e de todos os seus domínios, uma figura que precisou adaptar-se ao tempo, sem grandes deslizes e sem ter alguém que possa acusá-la de não cumprir com a sua obrigação.
Ela viu a mídia invadir a vida particular dos seus filhos, dos membros da família real e agora, do neto; no entanto, ela foi se adaptando e por isso digo que ela pode ser a última representante de um tipo de monarquia que conseguia separar o público do privado. É uma mudança, e não sabemos como o agora rei Charles vai conduzir o trono, mas certamente é um momento de comoção nacional. Os ingleses, que até então considerávamos tão frios, podem se mostrar comovidos nos próximos dias, algo comparável à morte da princesa Diana, em 1997. Sem dúvida, é uma nação de luto, que perde alguém que, com dignidade e soberania, soube encarnar interna e externamente aquela que foi uma nação poderosa e importante na história do mundo ocidental.
Francisco Vieira é mestre e doutor em História (respectivamente pela UFRJ e UFF), além de pesquisador e consultor — como, por exemplo, da novela de época “Novo Mundo” (2017), da TV Globo. Também é constantemente convidado a falar sobre fatos históricos, acontecimentos de época e casamentos reais na Globonews. Costuma ter como lema a frase “não saber história é estar condenado a repetir erros”.