As cantoras norteiam minha paixão pela música brasileira e, como consequência, acabei identificado com elas ao longo dos meus 35 anos ininterruptos como crítico musical. Escrevo sobre cantores, duplas, bandas, duos, músicas instrumentais, mas os textos sobre cantoras sempre foram os que mais repercutiram desde que o samba é samba.
E, sim, tudo começou mesmo no samba. As cantoras da minha infância, vivida no bairro carioca de Tomaz Coelho, no subúrbio do Rio, foram Clara Nunes, Alcione e Beth Carvalho. O ABC do samba, embora esse alfabeto comece pela letra C porque Clara foi a primeira. A paixão por aquela voz luminosa, de emissão perfeita, marcou o início de tudo em 1974, ano do sucesso blockbuster do samba ‘Conto de areia’. Nunca mais a perdi de vista até abril de 1983, mês em que o Sabiá se encantou…
Outros outubros e vozes vieram. Na adolescência, fui me encantando com Gal, Bethânia, Simone, Elba, Fafá… Todas grandes e inigualáveis em seus respectivos universos e estilos. Todas elas estão no livro “Cantadas — Ensaios sobre 35 grandes vozes de mulheres da música brasileira”, mas não somente elas. Meu livro é a celebração de 35 anos de jornalismo musical. E o exercício do jornalismo exige que o colunista esteja atento aos fatos, que saiba sair do seu universo particular, saiba romper a bolha para dialogar com o maior número possível de leitores.
Por isso, também falo sobre Anitta e Ludmilla, estrelas recentes do funk que explodiram ao longo dos anos 2010 e continuam bombando. Não dá para escrever um livro sobre voz de mulher no Brasil, em 2022, e ignorar o sucesso mundial do funk. Anitta e Ludmilla contribuíram para dar voz ativa às mulheres no funk — em movimento iniciado por pioneiras como Deize Tigrona e Tati Quebra Barraco, cabe ressaltar —e mer ecem todo o respeito e reverência da crítica musical brasileira, nem sempre generosa com artistas que dialogam com o povo.
Diversidade foi a palavra-chave para pautar a seleção das 35 cantoras. Têm muitas ausências e, como digo no texto de apresentação do livro, elas são sentidas sobretudo por mim. É claro que queria ter incluído Joanna, Mônica Salmaso, Ná Ozzetti, Rita Benneditto e tantas outras cantoras que muito me são caras. Não têm várias, mas têm Alaíde Costa, Leny Andrade, a imortal Elza Soares, Daniela Mercury, Zélia Duncan, Rita Lee… e muitas outras. É que eram apenas 35, por isso, nem todo mundo entrou. Só que, sinceramente, acho que as 35 cantoras do livro dão conta de representar a grandeza do canto feminino brasileiro.
Do canto e da obra autoral feminina, é bom dizer, porque mulheres também compõem. E compõem lindamente, embora tenha sido difícil para muitas delas se fazerem ouvir nessa seara ao longo do século XX, por conta do machismo ainda entranhado na sociedade. Ao falar sobre cantoras, como Adriana Calcanhotto, Angela Ro Ro e Joyce Moreno, para citar somente três entre muitos exemplos, acabo discorrendo naturalmente sobre os cancioneiros dessas extraordinárias compositoras.
“Cantadas” é um livro de celebração que nasceu da ideia de uma mulher, Chris Fuscaldo, diretora da editora Garota FM Books. Do convite feito em outubro pelo Instagram até o lançamento no Rio, em 26 de setembro, na livraria Blooks (Praia de Botafogo, 316), foi quase um ano de trabalho intenso e sempre prazeroso.
O livro está no mundo. A capa da Soraya Lucato é linda e alude às cores do arco-íris. O prefácio do DJ Zé Pedro me traduz como quase ninguém conseguiria fazer. Leia o livro. Você não vai resistir a essas 35 cantadas.
Mauro Ferreira é jornalista e crítico musical. Fez resenhas de discos nos jornais O Globo (1989 a 1997), O Dia (1997 a 2016) e nas revistas ISTOÉ Gente (de 2000 a 2012) e Rolling Stone Brasil, da qual é colaborador regular desde 2007. Desde 2016, atualiza diariamente um blog sobre música brasileira no G1. Em 2012, lançou o livro “Cantadas — A sedução da voz feminina em 25 anos de jornalismo musical”. O novo livro será lançado na segunda (26/09), às 19h, na Blooks de Botafogo.