A coluna conversou com o cientista político Mauricio Santoro, professor do Departamento de Relações Internacionais da UFRJ, sobre as suas impressões pelo 7 de Setembro: “O presidente Jair Bolsonaro transformou aniversário de 200 anos da independência do Brasil em um grande comício para sua reeleição. Dominou o debate e mostrou capacidade em mobilizar seus apoiadores, que serão base para seu esforço em rejeitar resultado das eleições, no mês que vem”, afirmou.
Santoro quase saiu de casa para acompanhar as comemorações em Copacabana, mas desistiu com medo de possíveis violências. “Vai que cai um paraquedista na minha cabeça, um tiro de canhão… As coisas poderiam ficar estranhas e achei melhor ficar em casa”, diz ele, sobre os quatro militares que caíram em ruas do bairro, errando a praia pela ventania.”
Dia da Independência: “O que mais me impressiona é como os brasileiros perderam a data, porque era para o país inteiro estar comemorando. Muitos podem até ser uma coisa meio boba celebrar D. Pedro I, mas seria um momento importante e é triste que tenha virado mais um dia das nossas divisões ideológicas, da nossa incapacidade de fazer qualquer coisa unificada como país. Pessoas de oposição ficaram com medo de sair às ruas, medo de sair de casa usando uma camisa de cor diferente do que verde e amarelo.”
Primeiras impressões: “Tanto em Brasília quanto no Rio, Bolsonaro mobilizou uma grande quantidade de pessoas, mostrou que ainda tem essa capacidade, mesmo diante de uma estagnação nas pesquisas, das dificuldades em crescer eleitoralmente, o presidente mostrou que tem seu grupo de apoiadores fiéis que estão com ele até o fim. Em grande quantidade, bastante entusiasmados, vibrando com o que ele fala. Deu uma elevada no moral, sobretudo nos seus apoiadores, mobilizando um grupo que estivesse talvez cabisbaixo ou frustrado por essa estagnação nas pesquisas, mas não, estão bem intensos.”
Campanha + Forças Armadas: “Impressionante como a agenda do 7 de Setembro foi Bolsonaro. Os outros candidatos desapareceram. Ele transformou o nosso aniversário de 200 anos de país independente num comício pra campanha de reeleição e monopolizou as atenções. Passei o dia acompanhando as redes sociais e não sei o que os outros presidenciáveis fizeram. Fora as questões políticas que ele levanta, o modo de como as Forças Armadas estão sendo usadas nessa campanha é algo muito questionável do ponto de vista jurídico. O que tivemos hoje no Rio, por exemplo, não foi a tradicional parada do 7 de setembro, aquele desfile habitual, foi uma exibição das Forças Armadas num comício eleitoral e isso é muito complicado. Algum representante de um partido de oposição já deve ter entrado com uma ação legal porque é muito evidente o uso eleitoral das Forças Armadas.”
Impressão fora do Brasil: “Dos nossos vizinhos, vem uma preocupação muito grande com a questão das armas, do risco de violência política num país em que tem muita arma circulando, os jornalistas querendo discutir as medidas do Supremo Tribunal Federal para tentar de alguma maneira segurar um pouco esse uso de armas (o ministro Edson Fachin concedeu, na segunda, 05/09, liminares para suspender decretos e portarias da Presidência da República que haviam ampliado o acesso à posse e porte de arma de fogo, armas de uso restrito e munições). Tem um sentimento na região de que o que está acontecendo no Brasil pode acontecer amanhã nos países vizinhos.”
Previsões? “O dia é uma vitória para Bolsonaro e deve ajudar na campanha. Também acho que mostra que temos que acompanhar com muita atenção o que ele fizer nas próximas semanas no sentido de que ele tem força para desafiar o resultado das eleições.”
Você acredita num golpe? “Pelo menos, nas manifestações de hoje, não houve violência física, de rua, mas os riscos estão aí. Numa comparação com os Estados Unidos, quando teve a última eleição presidencial eu também acompanhei achando que teria choque entre os apoiadores de Donald Trump e Joe Biden. Quando Biden assumiu, achei que estava tudo bem, a apuração já tinha terminado, mas veio o 6 de janeiro e a invasão ao Capitólio, em Washington, como parte de tentativa de golpe de Trump. Em situações como essa, a gente nunca pode dizer que está tudo certo, tudo terminado, tudo resolvido. Temos que ficar atentos até o fim desse ciclo todo, nas eleições, apuração, posse de um novo presidente, mas tem muita coisa que pode acontecer até janeiro de 2023. Temos meses bem tensos.”
Discurso do “imbrochável”: “Eu diria que, nessa parte estamos entrando num terreno que é mais para os psicólogos e psicanalistas do que cientistas políticos. Aliás, essa foi uma impressão que tive por muitas vezes hoje, pelos limites da minha própria especialização profissional. Tem muita coisa que não dá pra explicar com a Ciência Política, com análise eleitoral. Estamos falando de uma coisa mais profunda – Bolsonaro e Lula são os dois nomes que realmente despertam as grandes paixões nessa eleição, porque existe um sentimento de identidade muito forte com aquele candidato, uma coisa no modo como falam, como agem que mexe com sentimentos que estão muito arraigados e não são pelos cálculos eleitorais.”
O que me impressionou do Bolsonaro, além da vulgaridade do discurso, é o modo como ele exibiu a primeira-dama, como se ela fosse um objeto, uma boneca inflável. Isso vindo depois de duas semanas que foram pontuadas por ataques do Bolsonaro contra jornalistas mulheres, a Vera Magalhães (O Globo), e Amanda Klein (Jovem Pan). Parece ser um cara que tem problemas com mulheres em posições de poder, de prestígio e que, ao mesmo tempo, tem sesse desejo de ser amado, admirado como exemplo de masculinidade, como pedindo ao público para que gritasse “imbrochável”. Isso é muito estranho.”