A voz de Bethânia entrou como um raio em meus ouvidos quando eu tinha 15 anos; ouvi “Explode coração” na rádio, em 1978. Entrei numa espécie de êxtase que nunca mais passou. De lá pra cá, foram muitos shows, muitas vezes chegando de madrugada nas filas pra comprar ingresso, muita espera na porta do camarim pra conseguir falar com ela depois dos espetáculos. A maioria deles, diga-se de passagem, vi mais de uma vez — alguns vi seis vezes! E sempre é pouco em se tratando de um show de Bethânia.
De tanto ir ao camarim, um dia ela falou pra mim: “Você espichou, hein?!”. Sim, ela já me reconhecia. Fã que não é insistente não é fã de verdade. Ainda no segundo grau (hoje acho que é Ensino Médio que fala), consegui fazer uma entrevista com ela pro jornalzinho da escola: ela, no auge; eu, nervoso. Fiz perguntas medíocres, claro, eu era muito novinho. Uma resposta dela me marcou pra sempre:
— Bethânia, o futuro te assusta?
— O futuro me excita.
Marcante e definitivo. E que futuro eu viveria com essa grande artista!… Virei jornalista profissional e fui me aproximando. Entrevistei como repórter algumas vezes, tornei-me editor e montei várias matérias sobre ela. Fiz uma reportagem especial para a GloboNews, onde sou chefe de redação, quando ela completou 50 anos de carreira. Até que, em 2016, quando ela fez 70 anos, escrevi um programa especial e chamei a Fernanda Montenegro pra gravar o meu texto. Pra minha imensa alegria, a Fernanda aceitou o convite! Indo assim aos poucos, chegou o momento de sonhar grande: por que não um filme sobre a maior voz da MPB? Um filme onde só Bethânia falasse sobre Bethânia, sem depoimentos de especialistas ou personalidades. Apenas ela falaria. E assim nasceu “Maria — Ninguém sabe quem sou eu”, onde assino direção e roteiro.
Enquanto o filme ia nascendo, fui me lembrando de várias histórias com Bethânia. Estimulado por amigos, coloquei tudo no papel. E não é que percebi que realmente aquilo daria um livro? Uma história de fã para fãs. Conto como fui me aproximando da cantora até ter coragem de fazer o convite para o filme; aliás, essa é uma história encantada. Tive a sorte de passar quatro horas conversando e tomando cerveja com Bethânia na casa dela, em Salvador. Tentei esconder o nervosismo, afinal, vai que ela não aceita. De repente, ela fala: “Gosto muito de tudo o que você faz, acho de muito bom gosto, tenho certeza de que vai ficar bom. Tô dentro”. Sinceramente, nem sei como sobrevivi ao impacto de ouvir isso a ponto de poder contar no livro — e aqui. Aliás, isso é pra contar em todo lugar, o resto da vida, né não?
O livro traz também os bastidores da gravação do depoimento para o filme, numa tarde de novembro do ano passado, no teatro do Hotel Copacabana Palace. E ainda minhas impressões sobre outro momento inesquecível para mim: assistir a um show de Bethânia do palco, vendo toda a movimentação dos bastidores.
Sou um fã de sorte, eu sei. Pensei muito se deveria mesmo lançar esse livro; afinal, ninguém sabe quem sou eu. Ah, tudo bem: a Bethânia agora sabe!
Carlos Jardim é jornalista (atual chefe de redação da GloboNews) e roteirista, mas, acima de tudo, fã de Maria Bethânia. Ele acaba de lançar o livro “Ninguém sabe quem sou eu (a Bethânia agora sabe!)” (Máquina de Livros), contando as loucuras como fã até conquistar a cantora, com prefácio da jornalista Andréia Sadi. Entre as passagens, o autor confessa alguns “crimes” — depois de tanto frequentar os bastidores de Bethânia. As provas dos delitos estão na capa do livro. “Só confesso porque os crimes já prescreveram”, brinca. Em 1º de setembro, também chega aos cinemas o documentário “Maria, ninguém sabe quem eu sou”, com argumento, roteiro e direção de Carlos.