Estava vivendo minha rotina de executiva, diretora do Family Office, da família Setúbal e Villela, acordar, filhos pra escola, treinar na academia, trabalhar, almoços comprometidos com comitês, tardes de alinhamento, jantares de negócio, filhos, marido, cachorros, dormir. Pause/Repete.
Então, em dezembro de 2019, recebo uma mensagem de um prêmio que seria entregue em Nova Iorque. Para avaliar se justificaria ir a NYC em janeiro, no seu frio tradicional, fui ver “o que mais teria de interessante na mesma semana”. Encontro então um evento: Oprah entrevista Michelle Obama. O nome do evento era “Oprah’s 2020 Vision: Your Life in Focus”.
Meu coração parou: as duas mulheres que mais admirava naquele momento (e admiro até hoje), juntas, na mesma semana! O evento se chamava “Vision 2020”. Naquele momento, a pandemia não era representativa nem parecia que seria a grande tragédia que se tornou. Decidi ir, fazer o investimento, que era bastante alto, e ainda levar minha filha, então com 11 anos, para ter a chance de ouvir as mulheres mais significativas da minha geração.
E lá fomos nós, animadas com a oportunidade, prontas para passar um dia que prometia ser, no mínimo, inesquecível. E foi mais que isso!
Entramos num evento onde éramos uma das únicas mulheres brancas num espaço que comportava 15 mil pessoas. Além disso, minha filha era uma das poucas crianças ali. Gerava surpresa e celebração de todos, ouvindo frases, como: “Parabéns, sua mãe está lhe proporcionando algo incrível!”
Eu me sentia tão feliz e realizada de ver que essas duas mulheres, referências por tudo que são e fazem, estavam naquele momento sendo uma prova viva da representatividade e ofertando uma referência para a grande batalha que existe em torno de ampliar nossa consciência sobre racismo. Milhares de mulheres estavam encontrando sua voz representada naquele palco.
Quando entramos no auditório Barclays Center, constatei que nossas cadeiras eram bem perto do palco. O frio na barriga aumentou. Estávamos nas primeiras, cercadas de personalidades, incluindo Lupita Nyong’o ao nosso lado.
Ela entrou no palco, e 15 mil mulheres foram ao delírio!
A frase de abertura me impactou profundamente: “Our deepest fear is not that we are inadequate. Our deepest fear is that we are powerful beyond measure” o que significa “Nosso medo mais profundo não é sermos inadequadas. Nosso medo mais profundo é que somos poderosas demais.”
Essa frase me tocou profundamente.
Estava vivendo um grande conflito interno, vivendo a sensação de ser menos do que era capaz. Sentia que tinha capacidade de viver voos mais altos, sabia que poderia impactar mais pessoas, falar com mais mulheres, sentia que mudar minha vida teria preços altos, sair da minha vida comercial de margarina: marido, dois filhos lindos e um Golden Retriever. Mas, como o medo das possibilidades, dos reais potenciais que existiam em mim poderia fazer-me impedir de maiores realizações?
Tive contato direto com a Oprah, me fazendo a seguinte pergunta, que me impactou ainda mais profundamente: “What’s your why?” (“Qual o seu por quê?”).
Essa, então, me explicitou uma vivência muito comum que tinha quando eu deparava com a seguinte frase: “Você é diretora de um dos mais relevantes Family Offices do mundo. Que incrível! Por que você escolheu essa carreira?”
Essa pergunta me fazia sempre tentar construir um racional para explicar uma escolha que sempre foi muito significativa; afinal adorava meu trabalho, tive extremo sucesso nele, mas que a real essência da minha vida e a vontade de tocar o mundo eram muito além da minha ação naquele momento.
Meu propósito sempre foi o Encontro, ter contato com o mais amplo e diverso número de pessoas que o mundo poderia me oferecer e, em cada possibilidade, tornar as pessoas melhores do que as encontrei, através do amor e da minha capacidade profissional de ajudá-las a encontrar seus próprios caminhos.
E lá estava eu, fechada em um escritório lindo, com um trabalho confidencial, com zero liberdade de existir publicamente, atuando com um número exato de pessoas, membros de uma mesma família e que, apesar de serem extraordinários seres humanos, eram de uma parcela extremamente privilegiada da sociedade.
Um incômodo cresceu dentro de mim — quase uma falta de ar.
E o dia seguiu com grandes reflexões. Michelle Obama entrou no palco e, com tanta força e potência, trouxe ainda mais poderosas falas, contou histórias de seu casamento com Obama e de sua maternidade (só isso daria mais um artigo, com certeza!).
Em um certo momento, Oprah deu um tempo para as pessoas escreverem sua missão. Eu, naquele momento, tomei a decisão: vou voltar para o Brasil e mudar minha vida. Vou trabalhar com o empoderamento feminino, potencializar as mulheres a encontrarem seu caminho, e vou começar por mim. E comecei naquele dia a desenhar “A Jornada do Feminino”.
Hoje, agosto de 2022, sou uma mulher empreendedora, dona de uma empresa chamada Flux Institute, criadora de um programa de muito sucesso, a Jornada do Feminino, de outros, como 503 Horas e Mentoria de Liderança Feminina. Estou iniciando novas etapas na minha vida, mas com a certeza de que estou no caminho da minha missão, fazendo a vida valer a pena.
Flávia Camanho é mentora, coach e palestrante. Especialista em Desenvolvimento Humano e Governança Familiar. Fundadora da Flux Institute focado em Lideranças Femininas. Membro de Conselhos de Administração, Comitê Editoral do Iguatemi e do Masp. Professora convidada da IBGC. Colunista da Forbes e Valor Econômico.