Você sabe que está vendo um filme de terror quando as pessoas agem do modo oposto ao de qualquer criatura em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Se é para ir todo mundo junto, elas se separam.
Mesmo que estejam no meio de uma floresta, num parque de diversões abandonado, no Museu de Cera Madame Tussauds ou num cemitério indígena. Aliás, onde mais, se não num filme de terror, alguém se meteria a visitar um cemitério indígena? (Os Simpsons já sacanearam isso num episódio, e não adiantou: as pessoas de filme de terror continuam fazendo do mesmo jeito.)
Só nos filmes de terror famílias de cidade grande largam tudo e se mudam para uma pacata cidadezinha do interior, onde compram a preço suspeitamente baixo uma suspeitíssima casa que ninguém mais queria comprar — e onde aconteceram múltiplos assassinatos, todos devidamente documentados nos jornais locais (que só serão consultados, na biblioteca municipal, quando o estrago já tiver sido feito).
Só nesses filmes, a pessoa ouvirá barulhos ainda mais suspeitos vindos do porão, e, em vez de dar no pé ou chamar a polícia, pega uma lanterna (com pilha em seus últimos suspiros), e desce para ver o que está acontecendo.
Você sabe que não há dúvida quanto a estar vendo um filme de terror quando as luzes começam a piscar. (Piscar no filme, não na sua casa: filme de terror tem que ser visto no breu e se as luzes da sua casa começarem a piscar durante o filme, fuja que o bagulho ficou doido). Pessoas sãs chamam a Light, a Cemig ou a síndica quando as luzes começam a piscar; pessoas de filme de terror continuam andando por corredores sem fim, subindo a sótãos soturnos, pegando elevador etc.
Você sabe que está vendo um filme de terror quando as pessoas andam para trás e, claro, dão de costas com a assombração. Quando tentam fugir de carro e o carro não pega. Aliás, quando entram no carro e não olham se tem um psicopata no banco de trás (normalmente tem). Quando correm em linha reta pela estrada, sendo perseguidas pelo carro do vilão, em vez de dar uma guinada à esquerda (ou à direita, whatever) e se embrenhar num milharal.
Você sabe que está vendo um filme de terror quando tem um milharal. Ou uma floresta com luzes vindas sabe-se lá de onde, não importa que horas sejam. Quando relampeja. Quando, depois de uma fuga aparentemente bem-sucedida (sem tropeçar no tronco, sem torcer o pé, sem levar susto com um gato), a pessoa finalmente está segura — e se senta de costas para uma vidraça. Ou se encosta, ofegante, numa janela. Isso havendo paredes, paredes e mais paredes disponíveis.
Por outro lado, você sabe que está vendo um filme pornô quando as coisas levam mais tempo para acontecer na tela do que levariam na vida real. Muito, mas muito mais. Isso acontece também nos filmes do Godard, do Tarkovsky, nos iranianos e no “Ataque dos cães”. Mas o figurino é bem mais econômico.
Você sabe que está vendo um filme indiano quando tem um trem lotado, uma sogra ciumenta, um valentão de bigode, um fortão de basta cabeleira, uma mocinha de traços ocidentais, uma dança na chuva, uma dança coletiva, uma dança ao luar e uma dança no final.
Você sabe que está vendo um filme argentino quando tem o Ricardo Darín.
E, se você estiver vendo um filme em que o Ricardo Darín dança na chuva, pelado, no meio de um milharal, com um serial killer, enquanto as luzes piscam, um técnico da Netflix deverá ser consultado.