Figurinha carimbada no banco dos réus em processos criminais e acumulando, até o momento, alguns acordos e várias condenações, uma conhecida apresentadora se envolveu em mais uma polêmica no final do mês de junho.
Embora sem citar diretamente o nome da atriz Klara Castanho, a apresentadora e possível candidata a deputada federal afirmou para seus milhões de seguidores, em uma live realizada em uma rede social, que a jovem atriz teria parido uma criança e mandado ‘desová-la’, entregando-a para a adoção, o que, no entender dela, caracterizaria o crime de abandono de incapaz.Não obstante o gravíssimo erro de ordem jurídica cometido pela apresentadora em questão, uma vez que, mais do que não ser criminosa, a conduta adotada pela jovem atriz é admitida e regulada pela lei brasileira, a afirmação feita apresentou contornos ainda mais graves.
Afinal, aproveitando-se de sua enorme visibilidade e da admiração que lhe é devotada por seus milhões de seguidores, a apresentadora ajudou a disseminar uma narrativa inteiramente falsa e que propiciou que uma jovem vítima de estupro fosse alvo de incontáveis manifestações de ódio. É importante que se diga, no entanto, que esse ataque à jovem atriz — ainda que se alegue involuntário — não partiu apenas da apresentadora, uma vez que, ao que tudo indica, membros da equipe médica e/ou de enfermagem que a atendeu no hospital teriam violado o sigilo imposto por lei e vazado o ocorrido para um jornalista. Este, por sua vez, ao menos segundo posteriormente veiculado, recusando-se a acolher um pedido expresso da jovem atriz, teria dado publicidade à história, potencializando significativamente o enorme sofrimento vivido pela vítima do abuso sexual.
Além disso, influenciadores e influenciadoras digitais, pegando carona na polêmica alimentada, também fizeram vídeos e postagens extremamente ofensivos à atriz, evidenciando, mais uma vez, uma estratégia muito utilizada pela própria apresentadora para gerar engajamento e monetização por meio de discursos inflamados, agressivos e, muitas vezes, mentirosos. Todavia, por trás do interesse midiático ou mesmo financeiro envolvido em tais narrativas, é possível vislumbrar um discurso fortemente carregado ideologicamente, supostamente em prol de uma pauta extremamente conservadora e alegadamente em defesa da família. Afinal, a história veio à tona em meio aos intensos debates relativos ao aborto realizado em uma criança de 11 anos de idade, portadora de uma gravidez fruto de relação sexual com a qual não poderia, por lei, consentir, e que colocava a sua vida em risco real e efetivo.
Contraditoriamente, no entanto, embora sempre procure se apresentar como uma intransigente defensora das crianças e das mulheres, a apresentadora em questão acabou atacando ferozmente uma jovem vítima de estupro que decidira não realizar um aborto permitido em lei e, utilizando-se de um procedimento previsto no Direito brasileiro, propiciar que a criança pudesse futuramente ter um lar. Diante da enorme repercussão negativa que sua conduta gerou, a apresentadora passou, mais uma vez, a se utilizar de uma estratégia muito comum entre propagadores de falsas narrativas: alegou ser vítima de perseguição dos grandes veículos de comunicação.
Em sua defesa, a referida apresentadora — que também se apresenta como jornalista — afirmou não saber que a jovem atriz teria sido vítima do crime de estupro, alegação essa que, ainda que se mostre verdadeira, bem ilustra a falta de cuidado demonstrada pela apresentadora no trato da questão. Resta saber, agora, se os envolvidos na divulgação e exploração da história do abuso sexual sofrido pela jovem atriz serão responsabilizados criminalmente por suas ações.
Aguardemos.