Duríssimo golpe contra a luta em favor dos povos originários e a defesa do meio ambiente, o assassinato do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips reflete a força de um Brasil arcaico e que tem na violência a sua faceta mais evidente.
Após desaparecerem quando se deslocavam da comunidade ribeirinha de São Rafael para a cidade de Atalaia do Norte, Bruno e Dom teriam sido atacados e executados covardemente por homens descontentes com denúncias que apontavam para a pesca ilegal de Pirarucu na região.
Muito embora a investigação ainda não tenha sido concluída — não sendo possível, ao menos por ora, afirmar se os homicídios foram encomendados ou se decorreram da ação isolada dos indivíduos que executaram as vítimas —, o tratamento dado pelo Presidente da República ao caso chama muito a atenção.
Afinal, após desqualificar a atuação profissional do indigenista e do jornalista ao falar que ambos teriam ido fazer uma excursão em um local perigoso, o Presidente da República procurou culpar as vítimas pela própria morte, ao afirmar, em entrevista concedida à jornalista Leda Nagle, que ambos deveriam ter tido mais cuidado, pois sabiam que muitas pessoas no local não gostavam deles.
Embora inconcebível — uma vez que o mínimo que se deve esperar de um Chefe de Estado diante da execução sumária de duas pessoas é solidariedade às vítimas e a exigência de que o fato seja esclarecido com rapidez e eficiência —, a postura adotada pelo Presidente da República está longe, muito longe de ser nova.
Afinal, quando a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Pedro Mathias Gomes, foram executados — segundo as investigações desenvolvidas pela Polícia e pelo Ministério Público — por integrantes de uma organização criminosa composta por milicianos, o Presidente da República também procurou desqualificar as vítimas, atribuindo-lhes responsabilidade pela própria morte.
A nosso ver, a postura do Presidente da República evidencia, em primeiro lugar, uma claríssima identificação com o modus operandi empregado pelos assassinos.
Afinal, não é segredo que o Presidente da República enxerga na violência uma forma extremamente eficaz de resolver conflitos e desavenças.
Lembremos, a esse respeito, que o indigenista Bruno Araujo Pereira era o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai até outubro de 2019 e fora exonerado sem qualquer explicação após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros da terra indigena Yanomami, em Roraima.
Apesar disso, jamais deixou de lado a sua luta em defesa do meio ambiente e dos povos originários, denunciando inúmeras irregularidades cometidas na localidade.
Desse modo, ao continuar “criando problemas” mesmo depois de desligado da FUNAI e não se dobrar diante das ameaças que vinha recebendo, Bruno Pereira teria, juntamente com Dom Phillips, cavado, segundo a narrativa absolutamente enviesada do Presidente da República, a própria cova.
Simples assim.
Resta saber, entretanto, se a postura do Presidente da República é amparada apenas na empatia que demonstra pela forma utilizada pelos assassinos para resolverem suas desavenças ou se possui ele interesse em proteger interesses que vinham sendo desagradados pela atuação corajosa do indigenista e do jornalista.
Confiemos, para tanto, na seriedade e no compromisso da Polícia e do Ministério Público.