Quando descobri que estava grávida da Ana Beatriz, eu já era mãe do Marco Antônio. Todos os questionamentos e sonhos da maternidade vieram à tona novamente — desta vez, de uma forma diferente, mais tranquila. A família estava completa! Ana nasceu e foi uma alegria imensa. Jamais imaginei os desafios que viriam pela frente — e que tanto me ensinaram.
Ana tinha seis meses quando minha sogra, que é psicopedagoga, percebeu que ela não estava dentro dos marcos do desenvolvimento. Ana não respondia a alguns estímulos comuns para sua idade. Eu e meu marido procuramos vários médicos, que recomendaram estimulação precoce para nossa filha, à época, com 11 meses. Eram sessões de fisioterapia — onde vimos progressos — e de fonoterapia (neste aspecto, Ana não evoluiu nada).
Minha filha não conseguia dizer palavrinhas que crianças da idade dela já balbuciavam. Mais investigação, idas a consultórios, e a angústia de ter uma filha que não falava! Quando tinha 3 anos, Ana recebeu o diagnóstico de apraxia, avaliada pela fonoaudióloga Elisabete Giusti. Eu não tinha ideia do que se tratava!
A apraxia é uma condição pouco debatida no Brasil. É considerada uma disfunção neurológica que atinge o planejamento e a programação das sequências de movimentos necessários para produzir a fala. O cérebro não envia os comandos adequados para os articuladores, dificultando a produção das palavras. Vale dizer que esse transtorno não é considerado raro: afeta duas crianças a cada mil. Então, por que eu nunca tinha ouvido falar? Por que a maioria dos profissionais que procurei (neurologistas, fonoaudiólogos, pediatras) não reconheceram os sinais nem levantaram a suspeita? O fato de não ter recebido alertas e informações suficientes me deixou inconformada.
Desse dia em diante, eu assumi como missão divulgar a Apraxia de Fala na Infância para o máximo possível de pais e profissionais. O diagnóstico precoce e o tratamento certo melhoram muito a vida das crianças, desenvolvendo o potencial de cada um. Criei um grupo no Facebook e conheci Mariana Chuy, de Porto Alegre, mãe do Gabriel, e Juliane Tosin, de Curitiba, mãe da Giovana – duas crianças também com apraxia. Juntas, iniciamos uma jornada. Viajamos para os Estados Unidos para participar de seminários, buscamos materiais sobre o tema e entramos em contato com profissionais de saúde especializados em apraxia – condição bem conhecida por lá.
Na volta, nosso projeto foi colocado em prática: montamos a 1ª Conferência de Apraxia de Fala na Infância, em São Paulo, que reuniu 160 pais e fonoaudiólogos, interessados em assistir às palestras de profissionais que contatamos nos Estados Unidos. Houve fila de espera.
Foi, então, que surgiu a necessidade de ir além e fundamos a ABRAPRAXIA – Associação Brasileira de Apraxia de Fala na Infância, uma rede de apoio para famílias e formação para profissionais de saúde. Já capacitamos 15 mil pessoas, entre fonoaudiólogos, terapeutas e pais. No caso dos profissionais, a busca por treinamento é grande, já que a apraxia não faz parte da grade curricular na maioria das faculdades brasileiras. Temos como conselheira técnica uma das profissionais mais capacitadas neste tipo de transtorno de fala, a fonoaudióloga Elisabete Giusti.
Hoje, minha Ana Beatriz está com 10 anos, e sua evolução é um orgulho pra nossa família. Ela faz jazz, ballet, fonoaudióloga, musicoterapia, psicoterapia, catequese, Kumon, inglês e vai para a escola todos os dias. A nossa associação está apoiando a primeira pesquisa genética sobre apraxia de fala no Brasil, conduzida pela USP em parceria com a Universidade de Melbourne. Lançamos um abaixo-assinado em nosso site para que o dia 14 de maio, data oficial da conscientização do transtorno em outros países, seja reconhecida no calendário nacional. Nossa expectativa é reunir cerca de 1,5 milhão de assinaturas.
Uma criança com apraxia entende tudo que falamos, sabe o que quer dizer, mas não consegue emitir palavras. Enquanto eu estiver aqui, estarei incentivando cada passo de minha filha e movendo uma rede para dar suporte a todos na mesma condição que ela. Toda criança merece ter voz.
A goiana Fabiana Collavini é presidente da ABRAPRAXIA — Associação Brasileira de Apraxia de Fala na Infância, fundada em 2015, que luta para que o poder público reconheça o dia 14 de maio nacionalmente como “Dia da Conscientização da Apraxia de Fala na Infância”. Para isso, a associação vai lançar um abaixo-assinado propondo a inclusão e oficialização no calendário nacional. A Apraxia de Fala na Infância (AFI) atinge duas a cada mil crianças no País.