Com a proximidade das eleições, a discussão acerca dos limites à liberdade de expressão deve ganhar ainda mais destaque — sobretudo por conta da utilização das redes sociais como instrumento de campanha —, gerando acalorados debates e muitas controvérsias.
Afinal, até onde podem os cidadãos ir em suas manifestações, sem incorrerem em condutas consideradas pela lei como criminosas? Será que a Constituição Federal autoriza o Poder Judiciário a impedir que algo seja publicado?
Inicialmente, cumpre compreender que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites na própria legislação. Quando, por exemplo, o Código Penal prevê a figura da legítima defesa, autorizando, em situações excepcionais, até mesmo o sacrifício de uma vida, o que se tem é justamente a restrição àquele que é, possivelmente, o mais importante de todos os direitos.
Dessa forma, a liberdade de expressão — garantia fundamental em nossa Constituição — não assegurará aos cidadãos o direito a falar, escrever ou mesmo manifestar o que bem entender, livre de qualquer consequência jurídica.
Mas qual será o critério balizador para se verificar se uma manifestação representa expressão lícita de pensamento, não apenas permitida, como recomendável, em uma sociedade plural e em um Estado que se pretenda Democrático e de Direito?
Muitas das críticas que fazemos — sobretudo às figuras públicas dotadas de mandato — são duras, ácidas, dir-se-ia até mesmo ofensivas. Quando afirmamos que determinado agente não pensa no melhor para a sociedade, traiu a confiança de seus eleitores ou desviou recursos públicos, certamente estamos atribuindo-lhe condutas reprováveis e, em consequência, ofensivas à sua reputação.
De igual modo, quando, ao contar um fato ocorrido, mencionamos alguma circunstância desagradável sobre algum dos envolvidos na situação, podemos estar pondo em risco a sua honra.
Quando, ainda, em tom de brincadeira, dizemos que um amigo “não vale nada”, estamos lhe atribuindo uma característica, ao menos em princípio, ofensiva.
Nenhuma dessas condutas, no entanto, configura abuso da liberdade de expressão.
Isso porque a legislação penal brasileira prevê que a linha que irá estabelecer o limite entre a manifestação válida de um pensamento e a conduta ilegal será definida pela intenção do agente.
Logo, se a manifestação do indivíduo, embora ofensiva e danosa à reputação de terceiros, for realizada com o intuito de criticar uma conduta, narrar um fato ou mesmo realizar uma brincadeira — ainda que de mau gosto —, estará perfeitamente abrangida pela garantia da liberdade de expressão, devendo, em consequência, ser tolerada por se tratar de parte do preço de se viver em uma democracia.
Por outro lado, se, ao se manifestar, o agente desejar ofender, diminuir, humilhar, negar direitos de terceiros — ou até mesmo a sua própria existência, como, por exemplo, nos casos de falas racistas, nazistas, homofóbicas e transfóbicas —, disseminar mentiras para destruir reputações, promover ruptura institucional ou conclamar outros à prática de crimes, incorrerá em claro abuso de direito, sendo objeto de reprovação pela lei penal.
Estabelecida essa premissa, surge outra questão, ainda mais controvertida e sensível: o Poder Judiciário pode determinar a suspensão de contas nas redes sociais como forma de impedir que manifestações criminosas sejam realizadas? Sendo as redes sociais, cada dia mais, um meio pelo qual os indivíduos se comunicam com o mundo, determinar a retirada do ar de uma conta não constituiria uma forma de censura?
A questão, como dito, é muito delicada e deve ser tratada pelo Poder Judiciário com o maior cuidado possível.
Façamos o seguinte paralelo: imaginemos que uma empresa seja criada apenas com o objetivo de movimentar valores obtidos ilegalmente, de modo a dissimular a sua origem e, com isso, praticar o crime de lavagem de ativos.
Desse modo, se — e somente se — ficar absolutamente evidenciado que a conta é utilizada não como veículo de manifestação de pensamento e troca de ideias, mas como instrumento para a prática de crimes, a sua suspensão pelo Poder Judiciário em decisão devidamente fundamentada será cabível.
Fora dessas hipóteses, a nosso ver, a retirada de contas do ar caracterizará inadmissível hipótese de silenciamento do indivíduo pelo Poder Público.