Resta-nos, agora, aguardar para vermos de que maneira os Ministros do Supremo Tribunal Federal se posicionarão em um cenário que, para além das questões jurídicas, pode trazer gravíssimas consequências políticas para toda a sociedade.
No final da semana passada, a sociedade assistiu atônita a mais um capítulo do processo constante de tensionamento das relações institucionais levadas a efeito pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro.
Menos de vinte e quatro horas depois do Supremo Tribunal Federal ter condenado por ampla maioria de votos o Deputado Federal Daniel Silveira à pena de oito anos e nove meses de reclusão pela prática dos crimes de incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo, o Presidente da República assinou decreto concedendo graça ao parlamentar.
A medida, tomada em velocidade nunca antes vista, teve, ao menos formalmente, amparo no artigo 734 do Código de Processo Penal, o qual confere ao Presidente da República a prerrogativa de perdoar um indivíduo condenado pelo Poder Judiciário.
A forma pela qual o referido benefício foi concedido pelo Presidente da República e os motivos por ele apresentados, no entanto, trouxeram grande questionamento acerca da possibilidade de cassação do Decreto pelo Supremo Tribunal Federal.
Isso porque, a graça — hoje entendida como indulto individual — foi prevista em nossa legislação como um instrumento a ser concedido a condenados definitivamente pelo Poder Judiciário que já tenham cumprido parte das penas que lhes foram impostas e que, por razões humanitárias, mereçam o perdão do chefe do Poder Executivo.
Assim, embora seja ato discricionário do Presidente da República — a quem compete realizar um juízo de conveniência e oportunidade —, a concessão de indulto individual deve cumprir as exigências impostas na legislação a todos os atos administrativos.
Nesse sentido parece-nos que, quando a concessão de indulto ferir princípios tão caros à Administração Pública como a moralidade e a impessoalidade, acarretando flagrante desvio de finalidade, não apenas poderá, como deverá ser cassada pelo Poder Judiciário.
Imaginemos, a título de ilustração do que se alega, a seguinte situação hipotética: digamos que um Presidente da República resolva perdoar um Ministro integrante de seu próprio governo condenado por ter desviado verbas públicas em proveito próprio. Será que esse indulto não violaria o princípio da moralidade? Teria a concessão desse perdão sido motivada por razões humanitárias?
Trazendo esse raciocínio para o caso concreto e analisando os motivos alegados pelo Presidente da República para indultar o seu aliado político de primeira hora, parece-nos evidente que a concessão do benefício — sobretudo quando realizada antes mesmo do trânsito em julgado da decisão e sem que o Deputado sequer o houvesse solicitado, em clara violação à lei — foi apenas mais um ato em sua campanha de fragilização do Poder Judiciário com vias a criar um cenário que justifique impugnações ao resultado do processo eleitoral de outubro.
O indulto, tal como concedido, escancara a intenção do Presidente da República de desautorizar a mais alta Corte do país, se colocando como instância revisora de suas decisões e desequilibrando flagrantemente a balança harmônica que deve haver entre os três Poderes da República.
Resta-nos, agora, aguardar para ver de que maneira os ministros do Supremo Tribunal Federal se posicionarão em um cenário que, para além das questões jurídicas, pode trazer gravíssimas consequências políticas para toda a sociedade.
A conferir.
André Perecmanis é advogado criminalista e professor de Direito Penal, Direito da Execução Penal e Direito Processual Penal, dando aulas nos cursos de graduação e pós-graduação na PUC/RJ e na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.