Bença, mãe. Como vai a senhora?
Páscoa. Infância no alto da Ladeira da Sacopã.
— Aqui em casa, nada de chocolate. Não quero criança cheia de cárie!
— Mas mamãe, nem aquele bem escuro e o branco?
— Não tem “mais” nem “menos”. O amargo escurece os dentes e o Galak é branco sabe ‘porcaudiquê (debochando de nossa dicção infantil)? É manteiga de cacau superadocicada. Qual a cor açúcar!?
Respondi com primogênita coragem:
— Queremos falar com o papai.
— Vão ficar querendo. Não sei se ele volta da Argentina antes do domingo. Aliás, nem sei se volta. (Na verdade, estava preso por subversão).
— Pôxa vida!
Adolescência, já na Rua Sérgio Porto, Gávea.
— Mãe, já estamos crescidinhos (tínhamos 13, 12, 10 e 9). Todo mundo da escola ganha ovo. Chega, né?
— Foi “chega” o que eu ouvi? Vou fingir que não. E a puberdade? Essas carinhas pipocadas de espinhas. Querem ficar iguais ao Fernandinho (Lúcio Mauro) e àquele anãozinho (Nelson Ned)? Ganhar o apelido de “cara de areia mijada”, “bochecha de mandacaru”? No futuro, irão me agradecer, ah se vão! E tem mais: eu achei a cartinha que vocês escreveram.
Nós nos entreolhamos assustados. Muito. Mamãe balançou e abriu o envelope decorado com um coelho de olhos vermelhos e pelos branquinhos.
— Vou ler, não quero um pio: “Caro Sr. Coelhinho da Páscoa. Bença (“Bença”, repetiu olhando nos meus olhos, e prosseguiu). Sua missão é nos alegrar, distribuindo ovos de chocolate. Os adultos atrapalham com essa babaquice (“babaquice”, fitou-me) de escondê-los. Se é divertido, por que não fazem também com os presentes de Natal, de aniversário? E se nós fizéssemos isso nos dias dos pais e mães? Aqui, é uma dúzia (três pra cada) de ovos cozidos e pronto. Não aguentamos mais ter que mentir aos amiguinhos sobre qual marca preferimos. Então, Sr. Coelho, o que lhe peço, educada e humildemente, é que conte ao Criador o nosso calvário, para que Ele adote alguma providência divina, qualquer uma, até a mais extrema. Obrigado, muito obrigado.”
Pois eu vou tomar uma providência. Vocês vão passar esta Semana Santa na casa do pai de vocês. Podem ir se arrumando!
Ipanema, dia seguinte. Quem sabe aquela coisa de pai separado agradar à molecada…
— Oi paiêêê! Que legal, nossa primeira Páscoa só com você. Vamos até a Kopenhagen!? Vamos! vamos! Vamos!
— Papai tem uma coisa pra dizer. Papai é diabético, e o doutor disse que é daquela que passa de pai pra filho. Melhor não. Vocês vão me agradecer um dia.
Helinho Saboya é advogado, cachorreiro e chef eventual.