Quem nunca entrou numa loja com a intenção de comprar uma roupa específica e saiu com três, porque a vendedora foi particularmente simpática e hábil em convencê-lo/a de que era a oportunidade do momento e que não iria arrepender-se caso levasse essas duas roupas adicionais?
A manipulação está presente, de todas as formas, em nossa vida cotidiana. Pode tratar-se de um adolescente fingindo estar com dor de cabeça para não ajudar em casa; de um chefe dizendo-lhe que você é o melhor e cobrindo-o/a de elogios para poder aumentar a sua carga de trabalho sem você ousar reclamar; ou, ainda, uma mãe dizendo ao filho que vai ficar muito deprimida se ele se mudar para estudar em outra cidade.
Será que é possível evitar ser manipulado?
Na etimologia, o termo “manipulação“ não tem sentido pejorativo. A origem do verbo “manipular” vem do latim “manipulare”, que significa dar formato a algo, produzir, forjar, pôr em movimento, fazer funcionar. Remete a ações feitas com a mão.
Como exemplos de manipulação, citamos: a mão do fisioterapeuta que alivia as dores, do escultor que molda as suas esculturas, do alquimista que manipula substâncias no seu laboratório para o progresso da ciência… ou ainda, do prestidigitador que tem tanta agilidade com as suas mãos que consegue iludir o seu público.
Hoje em dia, quando ouvimos a palavra “manipulação”, tendemos a pensar nesse lado negativo da manipulação mental, que tende a enganar e levar as pessoas a fazer determinadas coisas contra a vontade própria.
Segundo o antropólogo francês Philippe Breton, “a manipulação consiste em entrar arrombando a mente de alguém para depositar uma opinião ou provocar um comportamento, sem que essa pessoa perceba que teve arrombamento.”
No seu livro “Como se defender dos manipuladores”, o psicólogo Yves-Alexandre Thalmann menciona 21 tipos de manipulação:
— A culpabilização:
“A culpa é sua se eu bebi demais! Você me irritou com suas perguntas!”
— A vitimização:
“Sempre acontece isso comigo! Parece que as pessoas não gostam de mim.”
— A perseguição:
“Você não sabe fazer nada! Não é possível que seja tão incompetente!”
— A pressão e a insistência:
“Pai, precisa decidir agora! Você vai me dar meu videogame ?” (pela 251a. vez)
— A raiva:
“Agora, chega! Você me deixa louco!!! Quer mesmo que eu vá exploda?!!!”
— A simpatia:
“Você ama cachorros? Que coincidência! Eu também! Então, você sabe como é difícil arcar com todas as despesas. Uma ajuda seria bem-vinda.”
— A adulação:
“Você é a melhor pessoa do mundo e tem um coração maravilhoso; por isso, estou pedindo ajuda a você.”
— A adulação condicional:
“Todos os pais deixam meus amigos saírem de madrugada! Só vocês é que não deixam!”
— Os sentimentos e os laços familiares:
“Sou sua irmã, você não pode me deixar na mão.”
— A chantagem emocional:
“Não posso viver sem você! Se você me largar, você vai acabar com a minha vida.”
— A ameaça:
“Não quer me ajudar com isso? Você sabe que tenho amigos influentes…”
— A mentira e a má-fé:
“Eu nunca disse isso. Você deve ter sonhado ou entendido errado.”
— Os subentendidos e a ironia:
“Nossa! Esse vestido está bem justinho! Que maravilha!”
— O paradoxo:
“Adoro receber flores!”
Uma semana depois, o marido traz um buquê de flores para sua mulher, e ela:
“Ah! Foi somente porque eu pedi! Pode ficar com suas flores. Agora não quero!”
Independentemente do que fizer por ela, a pessoa nunca vai mostrar-se satisfeita.
— A comunicação ardilosa:
“Pode me contar se você me traiu. Juro que vou compreender.”
E depois que a pessoa contou, xinga e procura vingar-se.
— A dívida artificial ou toma-lá-dá-cá:
Na loja: “Quer provar esses chocolates que são a grande novidade?”
Depois de provar, você se sente obrigado a comprar.
— A armadilha da coerência:
“Você sempre me disse que precisávamos ser generosos. E, agora, que estou precisando de dinheiro, você está se recusando a me ajudar?”
— A restrição de liberdade:
“É agora ou nunca. Não vai ter para todo mundo! Tem que decidir agora.”
A raridade está associada à sensação de restrição de liberdade e pode levar a pessoa a agir de forma precipitada.
— A autoridade:
“Está comprovado que esse produto é um dos melhores do mundo.”
— A prova social:
“Olha quantas pessoas já compraram! Foi mais de 1 milhão de exemplares vendidos no mundo inteiro.”
Quer pela sedução, quer pela pressão, a manipulação começa quando não temos consciência de que estamos sendo influenciados a pensar ou a fazer o que o outro quer. No melhor (ou pior) dos casos, temos consciência; mesmo assim, sentimo-nos obrigados a agir de acordo com a vontade do outro. Acabamos cedendo por medo, culpa, pena ou vergonha.
Usar das mesmas armas ou manipular de volta para “se vingar” não é a solução caso se queira construir relacionamentos saudáveis e duradouros. Aprender a detectar e reconhecer os tipos de manipulação pode ser um primeiro passo para cultivar relações mais autênticas e também para se proteger. Afirmar-se, desenvolver a coragem de dizer “não” e colocar limites, fazendo uso de uma comunicação consciente, respeitosa, assertiva e não violenta, é essencial.
Com pessoas mal-intencionadas, muita lucidez, muita calma e uma comunicação estratégica se impõem. Nesses casos, menos é mais: usar frases curtas, factuais, de preferência por escrito e sem emoção. Evitar entrar em discussões, principalmente quando estamos lidando com pessoas com transtornos de personalidade – mencionei os 10 transtornos de personalidade do DSM-5 em um dos meus precedentes artigos — antissocial, narcisista, “borderline”, paranoide, dentre outros.
No meu próximo artigo, darei algumas respostas possíveis para os exemplos citados acima. Boa semana e até lá!
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