Somos uma partícula deste universo, atingida violentamente por tudo que envolve o nosso planeta. Também somos pessoas no plural, não conseguimos nada sozinhos. Tudo que fazemos depende dos outros.
É uma realidade que certamente incomoda; às vezes, principalmente, quando precisamos amadurecer muito cedo, como aconteceu comigo. No entanto, também pode reforçar nossa fé na humanidade, e saber que só conseguimos avançar juntos não significa afastar-nos da nossa própria base. Foco, determinação e perseverança são essenciais para direcionar nosso caminho individual.
Ter esses pilares muito claros em mente me trouxe uma grande certeza: é necessário acabar com a cultura do apagar incêndio, tão reinante em nosso país. Essa certeza ficou ainda mais evidente no momento em que deparamos com o coronavírus e passamos a precisar de uma sociedade unida em níveis local, nacional e mundial.
Sou médica e, durante a pandemia, busquei retribuir o que aprendi com o projeto social que tanto me ajudou, o Pro Criança Cardíaca. Posso dizer, com convicção, que somente a Medicina não conseguiria resolver uma pandemia dessa magnitude.
Não se trata apenas de salvar vidas em hospitais, mas, sim, de se ocupar com quem está em casa e sofreu com o isolamento, com quem está nas ruas e nem sequer tem comida, abrigo ou água. Trata-se de se ocupar do ser humano. Ciência e filantropia precisam andar juntas.
Quando conseguimos doar-nos, caminhamos para a grandeza, a grandeza que é cuidar do ser humano, o nosso propósito final. Servir é um privilégio.
O momento é de muita reflexão para melhorarmos como pessoas e construirmos um mundo melhor para as próximas gerações. Um mundo altamente competitivo aguça a vaidade e a vontade de se destacar. Se isso for usado para o bem do ser humano, a semente plantada dará bons frutos.
Nesses dois anos, muitos despertaram para a caridade, olharam para si, buscaram significados para a própria existência e encontraram respostas na ajuda ao próximo. Espero que esse seja um caminho sem volta, de mais solidariedade.
Falando sobre a importância da generosidade e da solidariedade, revisito a minha própria história. Muito cedo, assumi as rédeas da minha vida e me tornei uma criança forte. O meu futuro a mim pertencia. Muito cedo, também, brotou em mim a vontade de ser médica. Tinha uma vontade imensa de ajudar os outros, de ser correta.
Também sempre lutei para exercer a Medicina que considero digna para todos, independentemente do poder aquisitivo. Sem poder ignorar o choro dos pais com medo de perder seus filhos, fundei o Pro Criança Cardíaca em 1996 e trabalho com afinco para manter essa instituição que cuida da criança cardíaca carente.
Desejo que, depois da situação inimaginável que enfrentamos com a pandemia de Covid-19, ao menos os corações se tornem mais generosos. O caminho sempre será cheio de obstáculos, e é preciso agarrar-nos aos nossos princípios para sonhar, idealizar e realizar.
Rosa Célia Pimentel Barbosa é cardiologista, fundou o Pro Criança Cardíaca em 1996, onde já atendeu mais de 15 mil crianças e adolescentes. É alagoana de Palmeira dos Índios, vinda de uma infância pobre. Cursou Medicina na UFRJ, atuou em hospitais da rede pública, morou em Londres, onde se especializou em cardiologia pediátrica. Depois de sua temporada na Europa, partiu para os Estados Unidos, tornando-se especialista pelo Texas Children Hospital.