Em um discurso proferido no Dia Internacional da Mulher, o Procurador-geral da República, Augusto Aras, enalteceu a justa homenagem ‘à mulher no seu sentido mais profundo, da sua individualidade, da sua intimidade: a mulher que tem o prazer de escolher a cor da unha que vai pintar, a mulher que tem o prazer de escolher o sapato que vai calçar. Pouco importa que tipo de escolha ela faça’.
Contextualizando o simbolismo da data com o trecho acima reproduzido, fica a impressão de que Sua Excelência traduz como essência da alma feminina (ou ‘seu mais profundo sentido’) o livre arbítrio entre um esmalte fúcsia da Coty, um perolado Monange ou um glitter da Risqué, ou o desejo de calçar um scarpin Louboutin, uma anabela da Arezzo ou um par de havaianas como a conquista de um direito alienável.
Não é nada, não é nada — não é nada mesmo. Pronunciada em tom solene, a tolice não chega a ser machista, mas revela certo menosprezo pela História.
Inspirada em eventos que marcaram a luta feminista pelos direitos civis, a data corresponde à da marcha que reuniu milhares de operárias em 1917, na Rússia, que ficou conhecida como a ‘Revolta por Pão e Paz’.
Dito isso, o tacanho improviso do procurador poderia ter sido adaptado para homenagear as mulheres ‘que têm o prazer de escolher entre croissant ou brioche no café da manhã, ou o ritual xamânico oferecido pelo Spa’. Taí, pão e paz.
O fecho original (‘Pouco importa que tipo de escolha ela faça’) deve ser mantido. Releva independência e empoderamento.
Helinho Saboya é advogado em tempo integral, chef eventual, bem-humorado e adora gastar muito tempo com cachorros.