Escrever um livro deve ser como fazer cinema: o trabalho só será visto muito depois. É um salto no escuro.
Escrever em jornal é mais ou menos como fazer televisão: o retorno demora um pouco menos. É só ter a paciência de esperar pelo dia seguinte.
Escrever em rede social é teatro: a vaia ou o aplauso vêm ato contínuo, quando não em cena aberta. É pá pum. Bateu, levou.
Às vezes o jornal tem também essa resposta imediata. Em questão de horas, o texto é enviado por e-mail, passa pela editoria, é publicado e começam a chegar as “cartas” dos leitores (que não são mais “cartas”, mas ainda prefiro chamá-las assim).
Alguns artigos têm vocação cinematográfica. Permanecerão em exibição numa obscura sala, em sessão única, numa única terça-feira à tarde, apenas para o entediado operador do projetor – que fará sudoku ou sairá de fininho, só voltando para desligar o equipamento. Se alguém assistiu, ninguém sabe – possivelmente, ninguém viu.
Outros merecerão uma e outra referência — dos eternos aficionados, dos ofendidos de plantão.
Mas há (felizmente, há!) os textos que captam o espírito do momento. Que falam do que está nas cabeças, do que anda nas bocas. E aí, com o jornal tão fresquinho quanto o pão, o café ainda fumegando na caneca, o leitor se debruça na janela (virtual) para um dedo de prosa.
Foi assim com um artigo sobre açúcar, afeto, Nara e Chico.
Porque, bem ou mal, todos amamos Chico Buarque — por vezes, adorando-o pelo avesso. E descobrimo-nos apaixonados por Nara Leão, nós que julgávamos apenas gostar dela, ou apreciar sua delicadeza, sua assertividade, sua incessante mutação sutilmente processada sob o manto do “não mudo de opinião”.
Afinal, Nara ainda gravaria “Camisa amarela”, “Meu moreno fez bobagem”, “Camisa listrada”, “Com açúcar, com afeto” – esses clássicos do amor submisso? Eu acho que sim (Nelson Motta, também). Nelson, que conheceu Nara, conjectura que ela talvez contextualizasse as canções. Eu, que só a amei à distância (e, por isso, posso idealizá-la), prefiro crer que ela dispensaria esses artifícios.
E o que pensam os leitores? Um letrista mineiro, amigo de Fernando Brant, escreveu para dizer que Chico faz parte da trilha sonora da sua vida, e seguirá fazendo, sem a censura do politicamente correto. Dora, que tem música no nome, escreveu “viva a poesia, viva o poeta!”. Dulce disse que o texto foi um bálsamo, e que é triste que se troque o afeto pela censura.
- lamenta os descaminhos do seu ídolo. A. manda aplausos, aplausos. R. acha uma lástima que Carolina tenha dado lugar a d. Solange. F. relembra a novilíngua, o duplipensar. I., psicanalisa, fala da abolição do romantismo, do jogo da conquista. L. traz Shakespeare para a discussão.
Nara ainda repercute. Porque fala da nossa complexidade. Porque canta nossa força na resistência a quem quer nos dominar e nossa entrega voluntária (sem me importar se nesse instante sou dominada ou se domino). Nara, que não se calcificou num único estilo, fala da nossa metamorfose incessante. Nara, que não envelheceu, fala da nossa eternidade.
Não é surpresa que tantos tenhamos falado dela, nos jornais, nas redes sociais — e tantos tenham sentido ecoar dentro de si o que foi dito.
Nara repercute. Que bom que, neste momento, tenhamos aberto alas para o seu canto livre passar. Tocando nosso foolish heart, mandando tudo pro inferno, falando do sorriso e da flor, lembrando que feio não é bonito, e cantando coisas de amor.