Caio Barretto Briso, jornalista e roteirista que colabora com o “The Guardian”, a “Revista Piauí” e o “NatGeo”, fez um relato em suas redes, nesta terça (01/02), sobre o encontro dele com Moïse Kabamgabe, de 24 anos, o congolês brutalmente assassinado no dia 24 de janeiro, na Barra. O texto é muito mais sobre como os imigrantes são tratados no Rio.
O relato de Caio:
“Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu, mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem; se um passa fome, todos passam fome. Conheci um economista congolês que falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em Hotelaria, carregava pedras em troca de R$ 60 por dia. A coordenadora da Cáritas RJ (projeto social apoiado pela Agência da ONU para Refugiados), Aline Thuller, contou, à época, que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios. Congoleses, angolanos e haitianos só eram procurados para trabalho braçal – como carregar e descarregar caminhão de pedra, caso do Chadrac. Um mês antes de João nascer (filho de Caio), demos uma festa pra 100 pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, não foi. Vocês já viram um congolês vestido pra uma festa? São os mais elegantes e melhores dançarinos do mundo. No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou, chorando, que mataram Moïse. Não consigo pensar em outra coisa desde então, assim como não consigo esquecer um bebê recém-nascido, cujo pai, um homem chamado Luta, batizou-o de Vencedor. Era o primeiro carioca da família. Luta fugiu para o Brasil com sua mulher grávida. Sonhava em ser jogador no país do futebol, mas acabou no subemprego. Uma vez, liguei pra saber como estavam: Vencedor tinha morrido. Segundo o pai, de desnutrição, pois a família só tinha dinheiro pra comer ‘fufu’ (fubá em lingala). A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos. Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas, atrás de um quiosque. Que Eduardo Paes faça algo por Cinco Bocas. Que Cláudio Castro priorize o caso Moïse. Vocês acreditam nisso? Eu não”.