Há uma série de motivos para não se fazer listas:
- Toda lista é incompleta.
- Por mais que você acrescente tópicos, virá alguém dizendo que falta alguma coisa.
- Esta lista poderia continuar indefinidamente, mas isso não anularia os dois primeiros itens – então paro por aqui.
Experimente postar “10 filmes inesquecíveis” no seu perfil no FB. Em questão de segundos aparecerá alguém dizendo que você esqueceu “As pontes de Madison”.
Não, você não esqueceu. Você nem viu. Ou viu e detestou. Mas alguém achará que é inimaginável uma lista de 10 filmes inesquecíveis sem “As pontes de Madison”. Mesmo que os filmes sejam seus, uma escolha pessoal e intransferível.
Faça uma lista de “193 países para conhecer antes de morrer” – e aparecerá alguém dizendo que faltou Porto Rico.
Não adiantará você dizer que Porto Rico não é um país independente, mas um estado livre associado dos EUA. O máximo que conseguirá é uma treta, com alguém atacando o imperialismo americano, outro dizendo que falar em “imperialismo americano” é ser imperialista, porque o certo é “imperialismo estadunidense” e um terceiro lembrando que você também deixou de fora a Somalilândia, a Transnístria, a Abecásia, República de Nagorno-Karabakh e Sealand – que fica numa plataforma abandonada no Mar do Norte, e da qual ninguém (exceto essa pessoa) jamais ouviu falar.
Listas são, por natureza, recortes. E mutáveis. A lista das suas canções favoritas em 1980 pode até ter algo em comum com a mesma lista feita neste 23 de janeiro de 2022 – mas isso não será necessariamente um bom sinal. O gosto muda (não necessariamente para melhor) e a fila anda.
Minha implicância com listas vem de longe, mas arrisco que deva ter surgido em 1964, quando o Império Serrano desfilou com o enredo “Aquarela Brasileira”.
Silas de Oliveira pinta um passeio pelo Brasil, começando pelo Amazonas, daí para o Pará, a Ilha de Marajó (uma redundância, porque Marajó fica no Pará), pula para o Ceará, chega na Bahia, faz um retorno e vai a Pernambuco, daí a Brasília, São Paulo, Rio e… acabou. Não passa por Minas.
Como assim, não passar por Minas? Não porque eu fosse mineiro, morasse em Minas e de lá nunca tivesse saído, mas como alguém faz uma turnê pelo Brasil e deixa Minas de Fora? E não era falta de espaço na melodia: há quatro versos para o Ceará, quatro para a Bahia e três para o Rio de Janeiro.
Concordo que seria difícil listar um ponto turístico no Território do Amapá (que ainda não era estado naquela época). Que o Acre ficasse meio fora de mão (e o João Donato estivesse em início de carreira, e a Glória Perez escrevesse apenas nos cadernos escolares). Mas Minas?
Minas tem o pão de queijo
Ouro Preto, Mariana e Aleijadinho
Tem Poços, Caxambu e Cambuquira
E Pampulha, pra gente andar de pedalinho
Velho Chico, Diamantina, Tiradentes,
Maquiné, Caeté e Sabará
Guimarães Rosa, Pelé, Santos Dumont
Tem Drummond, Zé Arigó e JK…
Com oito versos eu ficava satisfeito. Nem precisava falar do Pico do Itacolomi, da Ladeira do Amendoim, da goiabada de Ponte Nova, do doce de leite de Viçosa, do rocambole de Lagoa Dourada, do requeijão preto de Unaí.
Enfim, listas são mais questionáveis que as escolhas políticas dos brasileiros nos últimos tempos.
Mesmo gênios como Chico Buarque vacilam nessa. No seu “Paratodos”, ele cita Tom, Caymmi, Jackson do Pandeiro, Ary Barroso, Vinícius, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho, Luiz Gonzaga, Noel, Cartola, Orestes Barbosa, Caetano, Gil, Hermeto, João Gilberto, Edu Lobo, Milton, Nara, Gal, Bethânia, Rita Lee, Clara Nunes – e “esquece” (olha o someliê de lista em ação!) Paulinho da Viola. Elis. Ângela Maria. Lupicínio. Ernesto Nazareth. Chiquinha Gonzaga (e segue-se uma lista – incompleta – de mais 4.975 nomes que deveriam ter entrado na canção).
Mas o pior não é quem aponta o que faltou na lista. É o que a pessoa acha que não devia estar lá.
“Como assim? “Blow up” como filme inesquecível? É uma bomba! Aquele final é horrível. ”
“Quem quer conhecer a Bulgária? Vai por mim, Miami é muito mais interessante. ”
“Gente, incluir Brasília no samba… Ali só tem corrupto!”
Na dúvida, não faça listas. Se fizer, só divulgue no privado (ou seja, para si mesmo), sem direito a comentários. E mande o superego calar a boca, ou ele vai dar pitaco.
PS: Em 1964, o Império Serrano (bem feito!) ficou em 3º. Se tivesse incluído Minas…
Ilustração: Sydney Michelette Jr.