Oi, Fran. Chegou bem? Já encontrou Bibi? Marília? Dulcina? Aposto que Paulo e Nicete estavam te esperando na chegada. Com a Glauce. Xexéo está por aí? Se vocês resolverem fazer algum musical aí em cima, por favor, vamos fazer um grupo de zap de mesa branca pra eu poder participar. Aqui, o clima não podia estar mais quente — com trocadilho. Que calor! Aliás, esse vai ser o título da minha autobiografia. Por falar nisso, lembrei-me do dia em que retomamos os ensaios de ‘Minha Vida Daria um Bolero’ num verão, e precisávamos de espaço para ajustar o tango final. Consegui o galpão aqui do prédio, e dançamos várias vezes “Por uma cabeza”, entre cantos de cigarras e a gritaria de bem-te-vis, lembra? Plateia animada.
Como eu admirava o seu rigor e comprometimento! A busca da excelência, que só se alcança com a prática: musical, comédia romântica, drama. Bastavam duas tábuas, e você estava lá, pronta pra se jogar. Lembro nossas divagações de camarim sobre a cena. Só mesmo o teatro para encarar a desfaçatez com que o ser humano propala sua pretensa grandeza; e só mesmo um gesto, uma inflexão ou o olhar de um ator para expor esse ridículo. Vejo fotos de cena e tenho a impressão de que palco é uma espécie de lugar nenhum, ocupado por um ator, e seus olhos mágicos dizendo coisas que só quem estava lá, naquele dia, sabe o significado. Não sei se estou falando coisa com coisa. É que hoje sou metade silêncio, metade saudade. Paris, Cupido, Bolero. Acho que formamos uma boa dupla. No palco, a gente era faísca e fogo. Vai, Fran, faz vento com seu voo, que eu mantenho acesa a fogueira. Beijos do Aloísio.
Foto de Marcelo Faustini: Françoise Forton e AloÍsio de Abreu em “Nós sempre teremos Paris”, de Artur Xexéo, com direção de Jacqueline Laurence.
Aloísio de Abreu é cantor, ator e autor. O bom humor e a criatividade são seu forte e podem ser constatados nas versões de músicas conhecidas que adapta para situações atuais, como “Dona”, hit do Roupa Nova, que virou “Corona”, e tantas outras. Em 2018, atuou com Françoise Forton em “Minha Vida Daria um Bolero”, 13º texto teatral do jornalista e escritor Artur Xexéo (1951-2021) — que já havia trabalhado com a dupla em “Nós sempre teremos Paris”, de 2012, que ficou em cartaz por cinco anos. Abreu e Forton eram muito mais que colegas de trabalho.