Continuando com a série de retrospectivas em comemoração aos 13 anos da coluna, o novelista Manoel Carlos que, como ninguém, sabe descrever o Rio em detalhes.
Entrevista de 2013:
Ao passar recentemente pela porta da livraria Argumento, na Rua Dias Ferreira, uma jornalista comentou: “Esse homem merece uma estátua no Leblon“, vendo Manoel Carlos sereno, olhar suave, jeito reflexivo, andando ali na área. Referia-se ao bairro carioca, praticamente um personagem de suas inúmeras novelas e uma das fontes de criatividade do escritor, nas ruas, nos restaurantes, nas livrarias.
Não falta quem diga que foi Maneco o responsável por fazer os preços dos imóveis do Leblon (onde ele mora há mais de 30 anos) irem às alturas muito antes de isso acontecer em toda a Zona Sul carioca, na mesma proporção em que valorizou outras tantas características ‘leblonianas’, sem menosprezar o resto da cidade — de jeito nenhum! Trata o local com tanto charme pelos seus personagens que até quem não conhece bem o Rio sabe disso. E quem quer saber sobre a mistura do cotidiano-com-o-humano (em alguns momentos, devem ser uma coisa só, não é?) basta ver as suas novelas.
Os dedos gordinhos desse paulistano, ex-estudante de colégio interno, ex-bancário, ex-vendedor, ex-datilógrafo, ex-diretor do Fantástico e tantas outras coisas, são capazes de trazer muitas sensibilidades ao teclado.
A partir do começo de 2014, todo mundo vai poder ver, perceber e sentir isso de novo: quando Manoel Carlos entra com “A Família”, no horário das 21h, com muito Amor (num sentido universal), na tela da Rede Globo: “Novela se não fala de amor, deixa de ser novela”, afirma o famoso autor. Saiba muito mais, lendo suas respostas.
UMA LOUCURA: Fui um menino arrojado e imprudente. Aos 12, 13 anos, saltava de uma ponte sobre o rio Tietê, em SP, por onde corria um trem que cruzava alguns subúrbios. Esperávamos — eu e alguns amigos da mesma idade — que o trem se aproximasse bastante, e só aí saltávamos. Fico admirado até hoje de não ter morrido. Não apenas pelo trem, mas afogado; afinal, eu não sabia nadar. Como até hoje não sei.
UMA ROUBADA: Uma ocasião, na minha adolescência, fui a uma conferência do William Faulkner, que estava passando por São Paulo. Inadvertidamente, ocupei um lugar na primeira fila da sala. O escritor, bastante alcoolizado, fez quase toda a palestra olhando para mim e às vezes pedindo a minha aprovação. Eu fiquei em pânico, pois não sabia inglês.
UMA IDEIA FIXA: Tenho ideia fixa em ser feliz — vejo como um direito de todo ser humano. Nascemos para a felicidade. Considero um descompasso da vida os episódios dramáticos que nos atingem.”
UM PORRE: “A mistura de vodka e cerveja durante a comemoração de um aniversário de uma namorada. Até hoje, não me lembro de como cheguei em casa, coloquei pijama, deitei e acordei no dia seguinte. E, até os dias atuais, não bebo vodka; nunca mais bebi desde que isso aconteceu, há mais de 50 anos.”
UMA FRUSTRAÇÃO: Aproveitando o momento atual, em que se elegeu um novo Papa, confesso que quis muito e não consegui conhecer João XXIII, um Papa que me fascinava pela sabedoria e simplicidade. Um Papa que nunca deixou de ser camponês.
UM APAGÃO: Tenho muitos apagões, escrevendo novela. Ficar olhando para o computador, completamente vazio de ideias, sem ter a mínima noção do que escrever para prosseguir, me acontece frequentemente. Um filho meu me aconselhou a não insistir. Num momento assim, sair de casa e dar uma volta na quadra, por exemplo. Chamava esse método de “pausa criativa”. Sempre deu resultado, depois que o adotei.
UMA SÍNDROME: Acho que nenhuma.
UM MEDO: Tenho medo De incêndio, do pânico que se estabelece se alguém, ainda que por brincadeira de moleque, grita: “Fogo!”. Quando penso nisso, me vem à memória, instantaneamente, a tragédia do Cinema Oberdan, em S. Paulo, no bairro em que morávamos. Eu era criança de 5 ou 6 anos e me lembro que escondiam os jornais de mim e das minhas irmãs porque, na primeira página de todos eles, por dias e dias a fio, estampavam-se os corpos de crianças mortas. Mais de trinta. Não perdi ninguém, diretamente, mas todas aquelas crianças eram nossas vizinhas de bairro, de pais conhecidos dos meus pais. Foi um episódio que marcou muitas vidas, como o do circo de Niterói, no começo dos anos 60, e da boate Kiss, recentemente, em Santa Maria.
UM DEFEITO: Tenho muitos defeitos. Inúmeros. Sem conta.
UM DESPRAZER: Um desprazer é ler e ver na TV o noticiário sobre os políticos brasileiros. A história pessoal de muitos deles, sempre marcada por escândalos que não impedem que sejam eleitos, reeleitos — e que gozem de imunidades. Uma vergonha! Agora mesmo, estamos vivendo esse absurdo de ter na presidência da Comissão de Direitos Humanos esse tal Feliciano, homofóbico de carteirinha. Como ver uma coisa dessas e não sentir profunda repugnância?.
UM INSUCESSO: OFF, minha peça de teatro que não decolou. Quero partir para novas experiências, fazer mais tentativas, pois, afinal, o teatro continua sendo uma das minhas paixões desde a adolescência. Tenho algumas histórias guardadas, na esperança de levá-las ao palco. Ainda me animo pensando nisso.
UM IMPULSO: Sinto o impulso de esganar quem mata em nome do amor, por terem sido traídos ou abandonados ou trocados — sejam homens, sejam mulheres. Os tais crimes passionais, de penas muitas vezes brandas, que muita gente releva, entendendo que o ciúme, por exemplo, “o monstro de olhos verdes”, como Shakespeare o denomina na tragédia “Otelo”, justifica os atos de loucura criminosa. Na minha próxima novela, que já comecei a escrever, trato do amor e do ciúme levados ao irracional. E de suas trágicas consequências.
UMA PARANOIA: A segurança dos meus filhos lá longe: Júlia, em Londres; Pedro, em Nova York (do casamento com sua atual mulher, Beth Almeida). Acordo à noite e fico pensando neles de uma maneira tão avassalada que chega a doer. Procuro conter-me. Felizmente, apesar de todos os cuidados, sei amar sem escravizar a pessoa amada. Reconheço que é preciso soltar os filhos, que não podemos criá-los como propriedades nossas; mas que dá vontade de pegar o primeiro avião e ir para o lado deles ou de trazê-los para o nosso lado, ah! Isso dá!.