Querido 2021,
Entendo que você pegou uma herança maldita. Nada do que aconteceu este ano foi culpa sua, ou exclusivamente sua. A responsabilidade desse caos, que ainda estamos vivendo, veio de 2020 ou, mais precisamente, dos últimos dias de 2019.
Você tentou fazer a sua parte: começamos o ano com a vacinação em massa, mas, logo depois, veio a (segunda? terceira? enésima?) onda, que foi bem pior que a primeira. Você, no entanto, não desistiu — vacinação avançando, escolas sendo reabertas, eventos retornando e famílias voltando a se reunir no Natal. Reunião esta ainda temerosa, cheia de preocupações e complicada por uma epidemia de influenza, mas tão aguardada por todos nós.
Mas você também vacilou. Continuamos perdendo pessoas: Paulo Gustavo, sério? Tarcísio Meira também? E tantos outros, famosos ou anônimos, que faziam parte da nossa vida. Você pegou a sua herança e fez mais — e fez pior. Sim, eu entendo, as engrenagens dessa tragédia já tinham sido colocadas para se mover em 2020. Mas você poderia ter dado um refresco para a gente, uma pausa para respirarmos.
Eu sei, 2021, você tentou fazer a sua parte. Você fez o que deu, assim como nós. Fizemos o que deu para fazer; por isso, sou grata. É que eu queria que a volta fosse mais rápida, sabe? A volta dos abraços, dos sorrisos, dos beijos despreocupados. Estava torcendo até pela volta do carnaval, do qual eu não sou particularmente fã. Talvez o problema não seja seu, mas meu (como no velho clichê). É uma questão de expectativa, compreende? A minha era alta demais.
Bem, de qualquer forma, obrigada. Você nos deu o vislumbre da esperança, do começo do fim. E desculpe pelo mau jeito, pelas reclamações. Que 2022 venha para concretizar o que você começou.
Cassia Righy é intensivista, médica do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e pesquisadora do Laboratório de Medicina Intensiva da Fundação Oswaldo Cruz. Fez doutorado em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas na Fiocruz e pós-doutorado no Instituto Pasteur.