“É triste pensar que a natureza fala. E que o gênero humano não a ouve.” (Victor Hugo)
A importância capital da 26ª Conferência das Nações Unidas para mudanças climáticas finalmente está em plena ação na cidade escocesa de Glasgow, até 12 de novembro. Não exagero em reiterar que a totalidade dos ecologistas espalhados pelo mundo está mobilizada em relação aos compromissos que as grandes potências devem estabelecer, com possíveis decisões históricas, para frear as emissões globais de carbono no Planeta. Como todos sabemos, o Brasil estará sendo observado com lupas pelas sucessivas ondas de desmatamentos e incêndios nos principais biomas, como a Amazônia, o Pantanal e mesmo a Mata Atlântica.
Dependendo de uma política de inteligência, sustentada em clareza linear, nosso país poderá ser um dos maiores beneficiários de uma economia verde de baixo carbono. Essa decisão essencialmente política e de relacionamento saudável com a comunidade internacional (superatenta à preservação do Planeta) impõe um esclarecimento que a ONU já cobra do Brasil: afirmar, com todas as letras, que o País não usará de uma manobra contábil para aumentar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030, em vez de reduzi-las no ritmo com que o País se comprometeu anos antes.
Uma das negociações mais criativas tratará em Glasgow das regras para a criação (extremamente competente) de um “mercado global de créditos de carbono”. Vejam que estratégia tanto sábia quanto ardilosa: por meio desse mercado, países que precisam lançar gases na atmosfera para manter suas economias em alta poderão comprar esse direito daqueles que estiverem mais adiantados na transição de atividades de baixo carbono, ou que tiverem implantado mecanismos de captação de gás carbônico. O principal são as florestas, cuja joia da coroa é, por óbvio, a Amazônia.
Trata-se de um mercado em que o Brasil, se o Governo se empenhar com seriedade, já começa a liderar e arrecadar muito mais do que ficar a acobertar a atual vida fácil de grileiros, madeireiros e garimpeiros, todos na ilegalidade, que provocam a ira internacional e a baixa estima ao governo Bolsonaro.
Glasgow, portanto, poderá ser o início dessa nova estratégia em escala global. E deixaremos de ser um pária entre as nações, passando a ostentar o título de potência exportadora de soja, minérios de ferro, proteína animal, aviões e — que felicidade para os que amamos este país — também líder de créditos de carbono.
Mas atenção, atenção, Ministério do Meio Ambiente: primeiro, precisamos enfrentar a poderosa máfia dos desmatadores ilegais que respondem por 44% de nossas emissões — o que nos confere o título abominado por todos os ecologistas daqui e de fora, o de ser um dos seis países mais poluidores do Planeta. Manter a floresta em pé não será mais um freio para o agronegócio; pelo contrário. Acrescente-se um fator decisivo de que pouca gente se dá conta: mais de 90% de nossa agricultura, hoje um orgulho e decisiva para o mundo globalizado, dependem do ciclo de chuvas, que mudará dramaticamente se o aquecimento global continuar na desastrada escalada atual. Ao Presidente Bolsonaro se encarece que ordene, com firmíssima voz de comando, ao novo ministro do Meio Ambiente que persiga e prenda de imediato os criminosos que lucram com a venda de madeira, com a grilagem e com a exploração ilegal de metais preciosos. Ou seja, está mais que na hora de o Governo se equiparar às demais lideranças planetárias e entender que sustentabilidade é política de estado.
Sugiro que se convoque o Vice-presidente Mourão, já trabalhando na Amazônia, para liderar essa nova política. A consciência crítica da nação não mais admitirá ser chamada de pária mundial. E ponto final.
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical. Acaba de lançar o livro “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel).