Uma das coisas que mais me chamaram atenção durante a pandemia é que, embora muitas pessoas que já fossem fisicamente ativas tenham diminuído suas rotinas de exercício e de atividade física — porque são duas coisas distintas, exercício é algo sistemático e planejado e atividade física é simplesmente o quanto você se movimenta —, muita gente também sentiu os efeitos benéficos do exercício na saúde e na imunidade e, com isso, resolveu começar uma rotina de treino.
O tempo foi passando e o que percebo é que, de alguma maneira, houve, sim, alguma mudança no sentido de acreditar que o exercício tem um papel fundamental na saúde, mas ainda permanece bastante a ideia de que exercício é para emagrecer. Isso acaba nos levando a algumas questões interessantes.
Por exemplo, durante o período a pandemia e agora, nesse quase pós-pandemia, vimos uma quantidade de casos extremamente alto de lesões por “oversuse” (o estresse repetitivo). Isso porque, nos treinos em casa, as pessoas faziam muitas variações de agachamento e de flexão de braço. Então, esses foram os padrões mais exigidos e, obviamente, essas foram áreas muito acometidas.
Agora, no pós-pandemia, são muitas dores na região lombar — seja porque ficaram muito paradas, seja porque passaram muito tempo sem pegar peso e agora estão voltando com uma “fome” muito grande, com muita vontade de recuperar os prejuízos, porque, de maneira geral, a maior parte da população ganhou peso.
Mesmo que, em um primeiro momento, eu tenha dito que houve uma mudança na mentalidade, como a maior parte ganhou peso, querem tentar “minimizar esse problema” fazendo isso no menor tempo possível.
Esse talvez seja o grande erro, ainda mais agora com a proximidade do verão, e, ao fazer isso começam a fazer exercício e aumentar a quantidade de forma absurda, o que já, de cara, aumenta a possibilidade de lesão, dificultando o processo. A segunda é fazer dietas extremamente restritivas, acreditando ser benéfico, o que, num curto período de tempo, pode até dar certo, mas isso se torna simplesmente insustentável e vira uma bola de neve. Quanto menos alimentos você come, menos seu corpo fica capaz de fazer exercícios e maior a sua possibilidade de lesão.
Então, imagina juntar esses dois cenários com uma sede muito grande de conseguir resultado rápido? Esse tem sido o grande problema, o que gosto de chamar de “too much too soon”, fazer demais muito cedo e, assim, acabam não conseguindo manter a consistência. Isso porque é impossível manter a rotina que elas tentaram inicialmente, e o grande segredo do exercício é o que eu mais falo em cursos para profissionais de educação física: progredir devagar.
Se você hoje não faz exercício e está sentado no sofá, não pode sair do nada e correr uma maratona. Eu costumo brincar que é igual correr em um carro de Fórmula 1: você não sai hoje da sua cama e fala “vou correr num carro de Fórmula 1”. Você tem que aprender a dirigir, passar marcha. Enfim, existe um processo. Saltar de paraquedas? A mesma coisa, você não sai da cama e acha que vai saltar do nada. Primeiro faz um salto duplo; então tudo leva um tempo. E é exatamente a mesma coisa no exercício. Se você não corre e quer se planejar para uma prova de 10 km, precisa se programar para um ano, dois anos, três anos.
Esse é um pouco do contexto que eu tenho visto. Da mesma forma que durante a pandemia houve, sim, uma mudança de mentalidade em relação à possibilidade de exercício, ainda existe muito forte com relação ao emagrecimento. Estamos brigando um pouco com essas duas questões. Por outro lado, o ímpeto de querer usar o exercício de forma a atenuar todos os problemas que foram gerados por mais do que simplesmente comer mais e fazer menos atividade física. O grande estresse durante esse período também altera a capacidade de recuperação, aumenta alguns hormônios de fome e saciedade, faz com que pessoas comam muito mais e outras até não comam.
Talvez as duas coisas mais importantes sejam: cuidado com o “too much too soon”, e o grande segredo no Método Lund, a sobrecarga progressiva. Devagarzinho ir fazendo mais. E quando eu digo sobrecarga progressiva, não quero dizer que se deva colocar peso a toda hora, mas, por exemplo, se hoje você começou caminhando 1 quilômetro, amanhã você vai caminhar um e meio, depois de amanhã dois. Não tem a ver só com peso, tem a ver com aquilo que se é capaz de fazer sem que a demanda imposta seja maior que a sua capacidade atual. E lembre-se: quando você se alimenta pouco, quando está em uma dieta restritiva, a sua capacidade de realizar esforços também diminui.
Rafa Lund é educador físico, CEO e Coordenador-Técnico do Studio de Treinamento Personalizado Lund Trainers, na Barra, e atua como treinador particular desde 2006. Formado pela UFRJ, também é mestre em Ciências do Desporto pela UTAD/Portugal e, depois de várias pesquisas, desenvolveu um método próprio para capacitar personal trainers para o mercado.