Carioca não tem descanso. Como se não bastasse a depressão sanitária e econômica, agora o Rio está parecendo um imenso IML a céu aberto: todas, absolutamente todas as antigas lâmpadas amarelas da iluminação da cidade estão sendo substituídas por novas lâmpadas LED. Todas brancas, fantasmagóricas, fortíssimas — obra e graça de parceria público-privada firmada na administração anterior. Quando a gente pensava que tinha se livrado do Crivella, Eduardo Paes toca adiante esse projeto de assombração municipal sem sequer uma passada a limpo.
Promover economia de energia e garantir iluminação pública adequada são iniciativas necessárias e dignas de aplauso, mas é preciso estudo e critério. As LEDs brancas, além de criarem um ambiente frio e nada convidativo na cidade — o que, atenção, pode afetar a economia noturna e o turismo —, vieram com intensidade adequada à busca de um alfinete perdido no asfalto. Não importa se é na Avenida Brasil ou na ruazinha residencial do seu pacato bairro, os postes se transformaram em holofotes do Maracanã. A iluminação feérica ofusca os motoristas e invade as casas, as salas, os quartos. Durma-se com um sol desses!
É preciso esclarecer: não se trata aqui de frivolidade ou mera questão de gosto. Estamos falando de poluição luminosa, uma questão de saúde pública e equilíbrio ambiental que vem preocupando cientistas, médicos, ambientalistas e gestores públicos no mundo inteiro. Lâmpadas LED brancas como as que estão sendo instaladas nas ruas do Rio emitem doses cavalares da famigerada luz azul, a mesma radiação das telas de celular e computador, danosa às pessoas, animais e plantas.
De Harvard ao Indian Institute of Science, diversos estudos têm demonstrado que exposição à luz excessiva de LEDs brancas, especialmente à noite, desregula o funcionamento do organismo humano, inibe a produção de melatonina e causa insônia, depressão, ansiedade e outras doenças, que vão da catarata ao câncer. E ainda desorienta fauna e flora, alterando os ciclos naturais e reprodutivos de ambas.
A American Medical Association já alertou que as LEDs brancas afetam a saúde humana e a OMS, idem. E aqui chegamos à pergunta básica que deveria ter antecedido o desastre carioca: por que não usar lâmpadas LED amarelas? Sim, elas existem. E também economizam energia e iluminam as ruas, mas não ofuscam a visão nem causam depressão, além de deixarem a cidade muito mais bonita e atraente. Bem dosadas e direcionadas, as LEDs amarelas fazem o serviço completo sem os danos colaterais das brancas.
Enquanto o mundo se conscientiza e se movimenta para minimizar os efeitos do excesso de iluminação artificial, a Prefeitura do Rio de Janeiro abusa da nociva luz azul e transforma noite em dia na cidade, como se o exagero luminoso fosse traduzir-se em economia substancial e (ilusão das ilusões) em segurança pública. Infelizmente, a falta de segurança no Rio tem causas socioeconômicas bem mais complexas que ruas mal iluminadas, como todos sabemos. Quanto à economia, acompanhem-me numa conta rápida com os poucos dados de fácil acesso ao cidadão comum:
— custo do programa Luz Maravilha: R$ 1.4 bilhão;
— previsão de economia para os cofres públicos: R$ 120 milhões por ano;
— remuneração da empresa privada parceira: 54,5% da taxa de iluminação pública, cerca de R$ 175 milhões por ano;
— saldo da economia municipal anual: R$ 55 milhões. Negativos.
Some-se a isso o aumento de gastos na saúde pública, com doenças causadas por exposição sistemática à luz excessiva, e está pronta a fórmula nonsense do desastre carioca. Torço que esses poucos números disponíveis não estejam totalmente corretos, mas os cientistas estão, e é preciso reverter o desastre o quanto antes. E nem é necessário gerar um mar de prejuízo e desperdício, trocando as lâmpadas de novo. A boa e velha gelatina âmbar aplicada como filtro nas LEDs brancas pode ser um recurso relativamente barato e eficiente para bloquear a radiação azul e “esquentar” a luz — quem faz cinema sabe. E na iluminação pública, como em Hollywood: quanto mais quente, melhor.
PS1: Falo do Rio porque descrevo o desastre que vejo da janela, e porque, além do desastre, também vejo Eduardo Paes como um gestor de sensibilidade e inteligência para entender e solucionar o problema. O uso indiscriminado de LEDs brancas, porém, não é exclusividade local — e um flagelo nacional, precisa ser debatido e combatido.
PS2: Para não correr risco de ruído: o termo “luz quente” não tem a ver com geração de calor pela lâmpada, e sim com temperatura de cor. Azul é cor fria, amarelo é cor quente.
Paula Fiuza é carioca, documentarista, escritora e ambientalista. Formada em Jornalismo pela Universidade de Washington, começou a carreira como repórter nos EUA. Por aqui, criou e dirigiu a série de TV “De Perto Ninguém é Normal” (GNT, 2008), além de vários curtas e os documentários “Sobral, o Homem que não tinha preço” (2013), sobre o avô, o jurista Sobral Pinto; e “Paulo Casé — O arquiteto do encontro” (2018).