Comecei a escrever para crianças na pandemia, mais especificamente, para os alunos do Dispensário Santa Terezinha, chamados por mim de “minhas crianças”. Sou voluntária da obra social, na Gávea, desde 1998. Ali, fazemos rodinhas semanais de leitura, que tiveram de ser suspensas com a covid-19, assim como outras tantas atividades. Precisei pensar numa saída para manter aquele vínculo vivo.
Jornalista, mãe, professora, e escritora há 10 anos, trago comigo a convicção do quanto a palavra (ou a falta dela) é uma luz e, ao mesmo tempo, uma espada – tanto pesa quanto abre caminhos.
Quando ouvem histórias, as crianças passam a visualizar, de forma mais clara, os sentimentos que têm em relação ao mundo. Justamente quando o nosso mundo ficou doente, com notícias muito ruins chegando a todo instante, angustiei-me. Essa angústia aumentou com o distanciamento social, por não poder amparar os meus alunos, fortalecendo neles o desenvolvimento emocional e cognitivo. Nesse sentido, sempre afirmei que livro é abraço. Ler acalenta. A literatura mexe com os nossos afetos.
Foi assim que meus personagens foram saindo da oralidade e materializando-se em palavras. No ano passado, era urgente trabalhar sobre o medo, uma questão existencial típica da infância, que se potencializou com os números avassaladores de perdas durante a pandemia. Meu primeiro livro para o público infantil, “O Medo Amigo”, foi doado para crianças da rede municipal e distribuído juntamente com cestas básicas para famílias do Rio. Foi um trabalho silencioso, sem a alegria das nossas rodinhas de toda semana, mas com a energia do sentimento que me move neste mundo.
Para a volta às aulas, quase dois anos depois, a questão que mobilizou o segundo livro neste universo infantil foi o estado emergencial das nossas florestas. Estamos no limite da destruição ambiental; não considero aceitável achar isso normal. Batemos recordes seguidos de desmatamentos, provocados por queimadas, na maior floresta tropical do Planeta. É urgente preparar o olhar crítico dos futuros adultos. A percepção da gravidade do problema é proporcional ao legado de respostas que somos capazes de construir.
O homem e a natureza são partes indissociáveis do mesmo campo vibracional. Está tudo interligado, mas nos distanciamos tanto da natureza que passamos a ver o problema ambiental como algo fora da nossa própria condição, como se “nós” e “o mundo” não fôssemos a mesma coisa. Não medirei esforços para reverter esse quadro porque acredito na educação e na cultura como instrumentos obrigatórios em qualquer projeto de futuro.
Nesse cenário, surgiu “Um Pingo fora do lugar”, meu segundo livro infantil, no qual procuro trabalhar a consciência ambiental e a preservação florestal de forma firme, porém doce e singela. Doei a primeira tiragem, com 150 exemplares. A cada livro vendido, outro será doado para que eu possa viabilizar, fisicamente, mais histórias. Tenho vários personagens querendo ampliar suas vozes.
Sigo plantando minhas sementes no terreno dos afetos. Apesar dos tempos sombrios, sou otimista e mantenho acesa a chama da esperança. Como quem brinca de ciranda, não solto a mão de ninguém. Para além de educar, importa-me partir em busca de superação.
Filha de pianista, aprendi, desde cedo, a transitar entre o som e o silêncio. É nessa pulsão que a vida se manifesta: na paciência das escalas, na persistência das repetições, na resiliência dos sentimentos, na firmeza das ações. A arte constrói, pela via da emoção, uma ponte entre o coração e a consciência.
Manoela Ferrari é jornalista e escritora, formada em Comunicação Social e em Letras pela PUC (RJ). Estreou na Literatura com “Entrelinhas” (Consultor, 2011). É integrante do Instituto Antares de Cultura, onde coordenou a edição de 10 obras de Educação e Assistência Social, entre outros temas.