No Brasil, a data é comemorada em 15 de agosto, sabe-se lá por quê. Mas é em 11 de novembro que se celebra na China o “Dia do Solteiro”. E como a China é a maior produtora de solteiros do planeta (quiçá da galáxia), dá para festejar aqui também.
Não, “solteiro” e “solto” não têm a mesma origem — ainda que compartilhem do mesmo destino. “Solto” é particípio passado de “soltar”, que vem de “solvere” (separar, desligar — ou, mais diretamente, dissolver). Daí ser, pelo menos etimologicamente, equivocado ligar “solteiro” a “dissoluto”.
Também não tem nada a ver com “solidário” e “solidariedade”, que surgiram bem mais tarde, derivados de “sólido”. O solidário é aquele que apoia, dá firmeza. Algo um tanto distante de quem vive na corda bamba da solteirice.
A palavra “solteiro” vem é do latim “solitarius”, que dispensa maiores explicações etimológicas.
Mas “solitarius” tem origem em “solus”, que quer dizer “estar apenas consigo mesmo”.
Não tem relação com estado civil, abandono, encalhe ou estar pegando poeira na prateleira de baixo no mercado dos afetos.
É só estar consigo, sem ninguém para roncar ao lado, mudar as coisas de lugar, perguntar todo dia onde é que está a chave, mexer no ajuste do banco do motorista, querer ver “só mais um” episódio de uma série que não acaba nunca.
É poder largar o celular em qualquer canto, sem medo da Santa Inquisição. Beber água no gargalo, deixar a louça para a diarista lavar semana que vem, misturar roupa branca com roupa de cor na máquina de lavar sem ouvir uma preleção, tirar da máquina de lavar uma camisa cor-de-rosa (que até ser colocada lá era branca) e não ter que ouvir “Eu não falei? Eu não falei? ”.
Ser solteiro é jamais ter que ouvir “Eu não falei? ”.
De “solus” vieram também “só”, “solidão”, “soledade”. Mas do só viemos e ao só retornaremos um dia — viver é ter a ilusão de estar acompanhado, e quem gosta de ilusão é aquele sujeito que tira coelho de cartola.
Solteiros são mais solidários que os casados, menos solitários que os viúvos e quase tão soltos que os divorciados.
No século 18, o dicionarista Bluteau (que, por acaso, era padre), definia “solteiro” como “a mulher e o homem que não são casados, e, como tais, vivem soltos e livres do jugo do matrimônio”.
“Livre” seria um bom sinônimo para “solteiro”: do latim “liber” — que também deu origem a “liberal”, “liberalidade”, “libertinagem” e, lá na raiz indo-europeia, significava “pertencente ao povo”.
Logo, “solteiro” poderia entrar para o dicionário na acepção da filóloga Marisa Monte: “Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”.
Se não se sabe por que diabos o Dia do Brasileiro Solteiro é em 15 de agosto (mês aziago, de vento e de cachorro doido), os chineses desemparelhados escolheram o 11/11 por ser a data com mais números 1. E, como já cantava o matemático Beto Guedes, 1 + 1 é sempre mais que 2 — ao que respondia a numeróloga Fátima Guedes, dizendo que nesta fase do amor em que se é um é que perdemos a metade, cada um.
Feliz Dia do Solteiro, dia de quem está no caritó, na bacia das almas, sem cobertor de orelha, sem ter quem lhe passe protetor solar das costas. E sem quem venha assuntar, como quem não quer nada, sobre o que é este textão que você está lendo / escrevendo e que história é essa de ler / escrever sobre solteirice.
Em tempo: em linguagem náutica, solteiro é o cabo que tem chicotes livres. Não sei o que isso quer dizer, mas a lexicografia tem razões que a própria razão desconhece.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.