As mulheres mudam a cor do cabelo, das unhas, da boca, das pálpebras, da face.
Aos homens, resta a barba.
As mulheres usam salto alto, vestido vermelho, decote, fenda, renda, cinta-liga, espartilho.
Aos homens, resta a barba.
As mulheres siliconam os seios, lipoaspiram a barriga, embotocam o rosto, inflam os lábios, aplicam megarrér.
Aos homens, resta a barba.
As mulheres dizem “não” quando querem dizer “sim”, dizem “não” quando querem dizer “não”, fazem chantagem emocional, perdoam traições, jamais esquecem uma traição, fingem orgasmo.
Aos homens, resta a barba.
Não é mais preciso ser terrorista, imperador austro-húngaro ou náufrago para usar barba. Barba virou mainstream. Deixou de ser uma forma de esconder um queixo curto, disfarçar um lábio malformado ou compensar uma cara inexpressiva. Há muito que se tornou rípster, raipe, in, féchon. E também um recurso estilístico, um manifesto, uma carta de princípios.
As mulheres, de uns tempos para cá, deram de fazer tudo que os homens faziam. E, claro, fazem muito melhor. Usam calça comprida, blazer, camisa de alfaiataria, perfume masculino, gravata. Quero ver usarem barba.
A barba é o que nos resta.
Usei barba, ali pelos 20 e poucos anos. Barba preta, cerrada. Eu era professor no curso de Magistério e a barba me dava certo ar… professoral.
Usei de novo por volta dos 30 — ainda preta, ainda cerrada. Estava exilado em Curitiba e a barba me deixava com cara de poucos amigos — o que era, por sinal, a mais pura verdade, porque o que eu menos tinha em Curitiba eram amigos.
A barba atual veio aos 50, por preguiça, antes de virar moda. E foi ficando. Cada vez menos preta e mais rarefeita. Mas nunca nos demos tão bem. Olho o espelho e não me imagino sem ela.
Gosto tanto que resolvi que ela merecia um trato. Venci o bom-senso e fui a uma dessas barbearias modernas — que, em português, se chamam “barber shop” — e que fazem barba, cabelo e bigode dos nossos pelos faciais.
Eu tinha um compromisso em São Paulo este fim de semana — o lançamento dos livros dos alunos das oficinas literárias — e queria estar apresentável. Nada melhor que chegar de barba aparada, orelha desbastada, sem essas sobrancelhas de Leonel Brizola que deram de fazer pouso acima dos meus olhos.
Entrei e pedi o básico. Mas o básico não é mais o que costumava ser. E ninguém tinha me informado disso.
O barbeiro — barbudo e tatuado, como convém — me reclinou na cadeira, botou uma toalha sobre meus olhos, me besuntou o rosto com algo que em português de hoje se chama “balm” (preciso descobrir como se dizia isso no português do meu tempo) e deu início a uma pajelança. Teve massagem, toalha úmida, máquina, tesoura, creme, loção — e como na véspera o vizinho de baixo tinha feito bagunça até de madrugada, e eu quase não tinha dormido, foi ali, na cadeira do barbeiro, que em algum momento eu peguei no sono.
Acordei quando senti o pincel espalhando talco pelo meu pescoço. A cadeira foi erguida lentamente e… quem era aquele cara no espelho, usando uma camisa igual à minha?
Não suporto pimentão, barulho, pernilongo, falácia, desodorante íntimo e barba desenhada. Pois lá estava eu, livre de todo o resto, mas com barba desenhada.
Um mix de padre pop e cantor sertanejo; de Falcon da terceira idade e Mr. Gay Azerbaijão.
Isso foi na quarta. Quando este texto estiver sendo postado, já terei sido alvo de comentários mentais do tipo “No Zoom ele me parecia uma pessoa tão sensata…” ou “O que será que o analista dele disse disso? ”.
A barba de um homem é seu castelo. Vai levar pelo menos um mês até que a minha deixe de ser esse bangalô e retome a antiga dignidade.
Fica a dica: se for ao barbeiro, não durma.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.