“No final, as pessoas não veem suas vidas meramente como a média de seus momentos — o que, depois de tudo, é grande parte nada mais algum sono. Para seres humanos, a vida é significativa porque é uma história.” (Atul Gawande, “Being Mortal”).
A medicina começa na arte de contar histórias — os pacientes nos contam seus sintomas, nós contamos seus diagnósticos e tratamentos, e a ciência conta explicações dadas ao funcionamento do corpo e seu adoecimento. Para tanto, a linguagem é fundamental. É difícil curar uma condição que não se pode descrever, e poucos tratamentos para essas condições não têm nomes que os descrevam. A doença é frequentemente vivida como metáfora — a guerra contra o câncer (ou aquela doença da qual não devemos mencionar o nome), o mal dos pulmões, os miasmas.
Qualquer doença grave é um evento médico, mas é vivido em termos narrativos. Entretanto, a doença vivida como metáfora é tratada como estatística. Embora a ciência possa prover a forma mais útil de se organizarem informações empíricas e reprodutíveis, ela é incapaz de alcançar os aspectos mais centrais da vida humana: esperança, medo, amor, ódio, beleza, virtude. Como escreve o Dr. Kalanithi no seu livro “When Breath Becomes Air”, ao resistir às histórias humanas de seus pacientes, “eu atuava não como o inimigo da morte, mas como seu embaixador”.
Nossa vida termina quando nossas histórias param de ser contadas.
A Dra. Danielle Ofri, autora de “What Doctors Feel”, explica: “Medo é uma emoção primordial na medicina… um fio de tristeza percorre nossa vida diária” — o que significa dizer que, a cada paciente que morre, morre também um pouco de nós. Camadas de defesa são implementadas ao longo dos anos, junto com o jargão médico. A empatia não é ensinada na faculdade ou durante a carreira médica — mas lá é destruída. E o desapego resultante acaba por matar a própria essência da profissão.
Resgatar a arte de contar histórias, andar na fina intersecção entre a ciência e a literatura é o desafio daqueles que ousam valorizar o humano na medicina.
Cassia Righy é intensivista, médica do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e pesquisadora do Laboratório de Medicina Intensiva da Fundação Oswaldo Cruz. Fez doutorado em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas na Fiocruz e pós-doutorado no Instituto Pasteur.