“Vamos ter réveillon e carnaval, sim. E eu me recusarei a usar máscara.” (Prefeito Eduardo Paes, em entrevista há 25 dias.)
O uso permanente de máscaras não é agradável, muito menos estético. Por isso, exatamente por isso, alguns políticos mais afoitos são sempre os primeiros a encontrar argumentos para diminuir o seu uso, quando não o abolir. Alegam, quase sempre, a integralidade percentual do ciclo vacinal, ou seja, a imunização da maioria da população com duas doses. Sempre fui contra qualquer abertura precipitada de cuidados sanitários, o que, confesso agora, vem me rendendo alguns aborrecimentos. Alguns até constrangedores, como “se você é um velho caquético, isole-se em casa, mas não estimule que os seus leitores sejam prisioneiros de máscaras e de circular pela cidade ou pela noite. Vamos ter carnaval, réveillon e voltar à vida. A pandemia acabou e fim de papo.”
Não vou gastar meu tempo a analisar as impropriedades ditas pelo meu interlocutor (pessoa, aliás, muito conhecida, mas igualmente reconhecida por alojar acima do pescoço uma cabecinha de minhoca), a não ser, talvez, com alguma razão, ao me mimosear, preservar-me sem sair de casa, senão por urgências, munido de álcool em gel em cada bolso da calça. E sempre usando máscara.
O fato é que sou leitor voraz de tudo o que se fala da pandemia, aqui e no exterior. Venho colecionando dados desde o ano fatídico de 2020, o desabrochar mundial da Grande Peste que já abateu a família brasileira com o número apavorante de mais de 600 mil vítimas.
Comprovem os leitores como tenho razão ao advertir que quaisquer cuidados sanitários têm que prosseguir incentivados sempre e sempre. Por quê? Porque comprovei que uma quarta onda de contaminação pode pôr fim ao clima de suposta tranquilidade experimentada pelo Reino Unido, primeiríssimo mundo em todos os níveis, especialmente se comparado ao Brasil.
Isso vem ocorrendo, pasmem, desde que o governo de Boris Johnson suspendeu todas as restrições sanitárias. Resultado? A tragédia voltou com ferocidade insuspeita. Londres contabilizou, na última semana, quase 50 mil infecções/dia. A prudência e o rigor britânicos já vaticinam que a tragédia pode subir ao patamar de 100 mil infectados no inverno que se aproxima do Hemisfério Norte.
Nos museus, cinemas, teatros, supermercados e outros ambientes fechados, onde o uso de máscaras é apenas recomendado — e atenção, não obrigatório —, a maioria das pessoas se sente desobrigada ao uso. Nos transportes públicos, a máscara tampouco é observada. O governo londrino começa a ser apedrejado nas ruas porque tenta evitar a volta das restrições que retardem a normalidade da economia, uma das mais poderosas do mundo.
Esse tipo de intenção governamental também aconteceu por aqui, como todos nos lembramos. Enquanto isso, a associação dos funcionários do sistema de saúde pública do Reino Unido está cobrando rigor nas cautelas para evitar o crescimento de infectados, com o inevitável colapso do sistema hospitalar — filme que já vimos no Brasil há pouco tempo.
A primeira providência londrina recomendada pelos cientistas foi a volta urgente da obrigatoriedade das máscaras, além da recomendação do trabalho remoto e a imposição de um passaporte de vacina.
País consciente e previdente, o Reino Unido determinou a seu corpo de cientistas que proceda a medidas urgentes a serem cumpridas à risca pelo governo de sua majestade — que a economia sofra, mas os súditos, não mais.
Para a Universidade de Leicester, o país errou ao suspender todas as restrições em julho último. E acrescenta com firmeza em nota — “as máscaras são intrusivas, mas são, de algum modo, fáceis de usar e manter. As pessoas devem usá-las para se proteger, independentemente de o governo obrigar seu uso, até por proteção dos demais cidadãos. E de suas próprias famílias”.
O Reino Unido, vale recordar aqui, foi o primeiro país a retomar todas as atividades econômicas. Hoje, os cidadãos se perguntam nas ruas: valeu mesmo a pena?
As universidades, como a de Oxford, são preferencialmente ouvidas como oráculos por todos os gabinetes, conservadores ou trabalhistas; e pela rainha, com certeza absoluta! A de Oxford constrangeu o Reino Unido ao afirmar ao Premier Johnson que a vantagem comparativa obtida pelos britânicos que começaram a se vacinar antes de qualquer outro país, vai se perdendo com o tempo. O fato é que a eficácia do imunizante diminui, o que abre caminhos sinistros para reinfecções em massa, a partir de outras cepas, que estão sendo ou serão descobertas.
Em resumo, os cientistas concluem, para indignação da nação, que o governo abriu todas as portas cedo demais. E recomendam acidamente: “Os cuidados rigorosos ainda serão pouco. A pandemia não acabou, e. todos, queiram ou não, temos que entender essa dolorosa verdade.”
Que isso sirva de exemplo…
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical. Acaba de lançar o livro “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel).