“O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos sem ética. O que me preocupa é o silêncio dos bons.” (Martin Luther King)
Todas as atenções e comentários estarão voltados, a partir desta quarta-feira, para as conclusões da CPI da Covid. Serão imputados quantos crimes? E a quem? Como procederão órgãos oficiais que têm o dever institucional de investigar, concluir e declarar culpabilidades possíveis? Tudo isso e o céu também estarão sendo dissecados por um a um dos cronistas políticos (e não políticos, como este escriba) dos jornais e revistas daqui. Certamente com amplo desdobramento internacional.
Peço licença aos meus leitores, sempre tão generosos quanto atentos, a não inserir hoje meus comentários dentro da unanimidade temática que todos já começamos a ler. A isso fui levado por estimulante matéria da repórter Cíntia Cruz publicada há dias no Globo sobre a obrigatoriedade do ensino e da cultura negra nas escolas. Lembro-me da emoção por que fui arrebatado quando, no dia 9 de janeiro de 2003, entrou em vigor a Lei Federal 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas de todo o País.
Imaginava que, já na reabertura das aulas daquele primeiro semestre, a lei estaria implantada. Doce ilusão. Nem em 2003, nem nos anos subsequentes esse fortíssimo tesouro de autoconhecimento dos elementos com os quais a raça brasileira se forjou foi aplicado nos bancos escolares. Outro capítulo a se somar à frase caricatural “mais uma lei que não pegou”.
Naquele mesmo ano, fui contemplado com um convite da Funarte que me satisfez todas as medidas: sair pelas capitais e grandes cidades a insistir na fundamentalidade de que a Lei 10.639 deveria ser aplicada a qualquer custo nas escolas. Pois bem, gastei um ano a correr o Brasil para falar com milhares de professores do Ensino Médio (e por vezes elementares) com a finalidade de esclarecer e apresentar um esboço de sugestões estratégicas com 40 temas que desenhavam o legado da cultura africana na definição da alma nacional. E por aí fui. De fato, o esforço deu alguns resultados e fez nascer muitas sementes. Temporárias quase sempre, pelo pecado que continua a nos infelicitar, a falta de continuidade e a imposição de um esforço bem maior na já sacrificada categoria dos professores.
A repórter Cíntia Cruz investigou uma realidade que me surpreendeu, diria mesmo um quase milagre: uma Rede de Professores Antirracistas articulada pela professora Mônica Lavini Castro, que se dedica há alguns anos a por em prática a Lei 10.639, provocando debates sobre racismo e indicando livros e artigos. Essa brava professora de língua portuguesa fez projetar em nossas consciências um clarão inexistente até então.
A Rede existe há um ano e meio e já tem adesão de mais de 3,5 mil professores pela Internet. Na pandemia, Lavini começou a produzir cursos on-line para estimular mais e mais adeptos à bela causa. Diz ela, com orgulho justificado, que saiu do mestrado para ser produtora de conhecimento voltado para a educação antirracista. O primeiro curso, em junho do ano passado, para 700 professores animou-a a criar a Rede Antirracista, que acaba de ganhar o prêmio Sim à Igualdade Racial 2021, na categoria Educação.
Estimulante foi saber que Lavini desenvolve ações diversas nos encontros virtuais, inclusive indicando livros e artigos, como os de Ivanir dos Santos, Haroldo Costa, Abdias Nascimento, Flávia de Oliveira e mesmo novíssimos, como Eliana Cruz. Além de auxílio literário, com livros e leituras, a agora militante da negritude ouve desabafos e denúncias de professores sobre o racismo no ambiente escolar.
Sugiro que todos anotemos esses nomes, Rede de Professores Antirracistas e Lavini Castro, sua fundadora. Em meio a tantos desencantos, bons brasileiros são capazes de projetar faróis de luz — a luz da esperança e da justiça.
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical. Acaba de lançar o livro “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel).