O outono no Hemisfério Norte trouxe boas notícias e fortes mudanças para o mercado audiovisual norte-americano. Um relatório divulgado recentemente pela Gower Street Analytics aponta que, apesar de ainda abaixo do recorde de mais de 40 bilhões de dólares de 2019, a bilheteria mundial estimada nos cinemas em 2021 será de 20.2 bilhões de dólares, um aumento de 68% em relação a 2020. Desses filmes no topo, 70% são produções norte-americanas.
No mês de outubro, os principais estúdios de Hollywood também puderam respirar aliviados por outra razão. Após semanas de negociações, eles conseguiram travar a ameaça de greve da IATSE (The International Alliance of Theatrical Stage Employees), que é o sindicato da maioria dos trabalhadores dos audiovisuais dos EUA. As equipes de cinema e TV negociaram um acordo que prevê um mínimo de 54 horas de descanso por semana e o compromisso de criar um fundo de pensão de 400 milhões de dólares para os trabalhadores; dessa forma, decidiram não iniciar a greve que estava prevista para o dia 18.
Essas últimas notícias mostram um mercado que está recuperando-se depois de ter sido completamente abalado pela pandemia do Covid-19 e que atravessa uma crise profunda de identidade. Se, por um lado, a televisão e as plataformas vivem um “boom” criativo, atraindo cada vez mais talentos de peso, como Barry Jenkins, Reese Whiterspoon e Jordan Peele, os grandes estúdios estão cada vez mais reféns de remakes (vêm aí novas atualizações de Pânico, Os Caça-fantasmas, West side story, etc.) e das grandes franchises, como Marvel e DC. Nunca se produziram tão poucas ideias originais (spec scripts) nos grandes estúdios como hoje: em 2020, apenas 25 roteiros originais foram comprados pelos “majors”, ao contrário dos 150, que eram a média nos anos 1990 e 2000.
Por muito tempo, o grande motor de criatividade de Hollywood eram os filmes produzidos dentro da lógica do Studio System, ou seja, completamente financiados, produzidos e distribuídos por estúdios, tais como Disney, Paramount, Sony e Universal. Dentro dessa lógica, foi que clássicos como “O Poderoso Chefão”, “Chinatown” e “A Lista de Schindler” chegaram às telas. Porém, a última vez que um filme majoritariamente produzido por um grande estúdio ganhou o Oscar foi “Uma Mente Brilhante”, em 2002, produzido pela Universal. De lá pra cá, predominaram coproduções, projetos de miniestúdios (ou minimajors) como “Green Book — O Guia” da Dreamworks, filmes internacionais, como “O Artista” e “Parasita” ou filmes de produtoras independentes como “Moonlight”, coprodução da A24 e Plan B, e “Nomadland”, produzido pela Highwayman Films e Hear/Say Productions. Para produzirem seus filmes, essas produtoras buscam empresas de financiamento independentes e normalmente oferecem uma garantia em troca do dinheiro, como um contrato de distribuição ou participação no lucro da bilheteria.
Esse movimento é só um dos muitos ventos de mudança no mercado audiovisual norte-americano. Em setembro, o executivo Jim Gianopolus, um dos últimos poderosos chefões de Hollywood, foi demitido do cargo de CEO da Paramount por ser contrário à estratégia do estúdio de priorizar sua plataforma de streaming, a Paramount+, já que tudo indica que, cada vez mais, o modelo de distribuição dos filmes em Hollywood vai adotar o formato day-and-date, ou seja, as obras serão lançadas simultaneamente, nas salas de cinema e nas plataformas de streaming.
Essa realidade ainda não foi absorvida pelo mercado exibidor brasileiro. Apesar do aumento do investimento dos streamings, não só em séries como também em filmes nacionais, ainda há um caminho longo para que o mercado brasileiro se reinvente após a quase total paralisação dos editais públicos. Uma boa notícia é que muitos dos cineastas que, nos últimos anos, dedicaram-se quase que exclusivamente ao cinema têm encontrado espaço nas plataformas, como Esmir Filho, Gabriela Amaral de Almeida, Juliana Rojas e Daniel Ribeiro.
Contudo, uma prova de que o nosso audiovisual ainda não abraçou completamente a força dos streamings foi a decisão da Academia Brasileira que fez um movimento pouco estratégico ao escolher o filme que vai representar o Brasil no Oscar. A comissão optou por “Deserto Particular”, de Aly Muritiba, que, por enquanto, não possui distribuidor nos Estados Unidos nem tem data prevista de estreia no país do Oscar. As grandes publicações de cinema internacionais, como Variety, ScreenDaily e Indiewire, apostavam em “7 Prisioneiros”, de Alexandre Moratto, financiado e distribuído pela Netflix norte-americana, e produzido pelos indicados ao Oscar Fernando Meirelles e Ramin Bahrani. O anúncio causou surpresa na crítica internacional, mas não tira as chances do filme de Moratto, que ainda pode concorrer nas categorias principais, como direção, ator com Christian Malheiros e melhor ator coadjuvante, com Rodrigo Santoro.
Foto: Fabio Audi
Rafael Lessa, 39 anos, é carioca. Começou sua carreira como roteirista do filme “Tá” (2008), de Felipe Sholl, vencedor do prêmio Teddy de melhor curta LGBTQ no Festival de Berlim. Em 2006, mudou-se para Nova York, onde viveu cinco anos, enquanto fazia o mestrado em roteiro na Universidade Columbia. De volta ao Brasil, em 2011, ele escreveu o documentário “Francisco Brennand” (2012), premiado como melhor filme na Mostra de São Paulo daquele ano. Desde então, Rafael colabora com os principais players do mercado audiovisual. Além da carreira como roteirista, seu trabalho no curta-metragem LGBTQ já foi exibido e premiado em festivais, como Berlim, Festival do Rio, Tiradentes, Guadalajara, Mix Brasil, por exemplo. Em 2016, foi um dos 20 cineastas perfilados no livro “O cinema que ousa dizer seu nome”, de Lufe Steffen (Ed. Giostri). Agora, Rafael volta para os Estados Unidos, onde vai passar dois anos em Los Angeles, estudando no programa de MBA com foco em entretenimento, da University of Southern California (USC).