A maternidade é um assunto muito comentado e discutido. Se pensarmos no espaço que a mulher ocupa atualmente, na sociedade, entenderemos a transformação pela qual estamos passando e a importância da ressignificação de muitos conceitos e crenças que nos foram passados na infância. Como terapeuta familiar, considero importante expandir o olhar para a criança além da maternidade. Com o nascimento do bebê, nasce um novo núcleo familiar, com novos desafios, surgem novas demandas, as prioridades começam a mudar. Com o bebê, nascem novos integrantes para a família: mãe, pai, avós maternos e paternos, tios etc. Essa nova etapa exige uma reorganização familiar em que as responsabilidades são compartilhadas entre os integrantes.
É muito importante esse entendimento a fim de que haja, na família, um “espaço emocional” para atuação de todos os integrantes na educação e cuidado da criança. Partindo desse olhar, a mulher já consegue ocupar um espaço maternal com menor “sobrecarga”. No entanto, ainda é necessário enfrentar o desafio de lidar com as diferenças, julgamentos e expectativas sociais e familiares, principalmente quando a maternidade é atípica. Ao engravidar, o casal costuma conversar sobre como será o bebê, criando as características do(a) filho(a). A escolha do nome, em geral, é um desafio, mas, junto com a escolha, existem histórias, motivos, emoções, sentidos e significados que ajudam a definir o nome. Ao pensar no sexo do bebê, automaticamente, pensamos nas roupas, nos hábitos, costumes, entre diversas características.
Há famílias que pensam até nas profissões, traçam o plano escolar, já sabem as escolas, universidades e países onde o filho fará intercâmbio. Já estão definidos o time de futebol, a religião, os esportes de preferência, tudo com base nas diversas características comuns àquela família e que já foram traçadas “no plano de vida” de um bebê que, na maioria das vezes, ainda está no ventre. A essa criança que está sendo “construída” nos planos da família, costumo chamar de filho(a) ideal — aquele “projeto” idealizado durante a gestação e que atende às nossas expectativas, desejos e necessidades.
Ao longo de mais de 15 anos atuando com crianças de primeira infância, observei essa história se repetindo por diversas vezes: a “criança real”, ou seja, que tem suas características individuais, comportamentais e emocionais diferentes das esperadas pela família, distanciando-se da sua família de origem. Em muitos casos, a conexão com a “criança ideal” é tão grande que a família encontra dificuldade em aceitar as diferenças, em se replanejar, reinventar-se, entrar no mundo da criança, como ela é, não como o adulto gostaria que ela fosse.
Meu maior aprendizado sobre filho real X filho ideal aconteceu na prática, na minha maternidade. Aos 27 anos, fiz a escolha de engravidar; ser mãe sempre foi uma certeza em minha vida. Thor nasceu em novembro de 2013, quando eu estava no auge dos meus 28 anos. Eu estava realizada, o trabalho, ótimo, meu pré-natal tinha sido maravilhoso, e Deus atendeu a todas as minhas orações. Meu filho nasceu saudável, e correu tudo bem durante o parto.
Sou professora, coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil, com anos de experiências com crianças e famílias. Meu desejo de ser mãe e a alegria do meu sonho eram tão grandes que eu já tinha o meu filho ideal traçado. Ele era o meu protótipo de “perfeição”; afinal, a realização de todos os meus desejos. Aos 28 anos, acreditava que ele seria da forma que eu desejava, tudo o que eu queria. Na verdade, a condição do Thor, diagnosticado como uma criança dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ensinou-me, e me ensina todos os dias, que o meu filho é exatamente como eu preciso para me conhecer, encontrar-me ou me reencontrar, e para buscar dentro de mim a minha melhor versão.
Busquei muito por “um nome”, queria “explicação”, uma “causa”, algo que justificasse o desenvolvimento do meu filho ser tão diferente. O autismo não é uma doença, é uma condição neurológica. Então, esse problema do meu filho ajudou-me a me tornar um ser humano em busca de constante evolução. Cada pequena vitória do Thor é como se fosse um ouro Olímpico para nossa família. Será que ele sabe que é tão único e especial que seria um pecado torná-lo “simplesmente comum”? Será que ele sabe que é a diferença que dá graça ao mundo? Eu vou fazer com que ele saiba. Farei o possível para que muita gente também saiba.
Depois da maternidade, entendo que há apenas um modo de ser feliz, que é ser feliz aqui e agora. A felicidade não é um resultado — é um modo de vida. Eu, Thor e nossa família escolhemos ser felizes todos os dias, independentemente da nossa condição.
Carol Passos é diretora pedagógica da Bem Viver, primeira escola bilíngue para a primeira infância, em Copacabana. É profissional de Educação Física, com especialização em terapia familiar e formação internacional para educadores parentais em disciplina positiva.