É possível ensinar alguém a escrever?
Claro que é. A isso dá-se o nome de “alfabetização”.
Mas será possível ensinar alguém a “escrever” literariamente? A ser contista, romancista, cronista, novelista, poeta?
Não.
Pode-se compartilhar algumas técnicas. Disponibilizar ferramentas. Propor temas, desafios. Mas escrever vai além de métodos, instrumentos e estímulos.
Escrever é cortar palavras, conforme a lição de John Ruskin (escritor e crítico inglês do século 19). Que palavras podar para que outras deem frutos, vai da sensibilidade de cada um.
Sugiro começar dando férias aos adjetivos. Depois, aos advérbios. E, estando a faca ainda com fio, a uns artigos. Ops, “uns artigos”, não: “artigos”. Cortar tudo que for supérfluo. Deixar o texto “uma faca só lâmina”, conforme outra lição do João Cabral.
Vale para a crônica o que Ezra Pound escreveu sobre a poesia: “é feita de essências e medulas”. Eis aí uma técnica: se cortou e não fez falta, é porque não precisava estar lá.
É o que fazemos nas nossas oficinas literárias: colocar na “prateleira” de cada participante a régua e o compasso, a tinta e o pincel, o cinzel, o metrônomo. E cada um escolhe o que usar. E, ao fazer, descobre como se faz. Encontra o próprio tom.
Fizemos isso ao longo de 2020 e 2021, com oito turmas — cada uma tendo por patrono um mestre na arte da crônica, essa escrita leve (e nem por isso rasa), cotidiana (e nem por isso menos sublime), nascida da fugacidade (e nem por isso condenada ao esquecimento).
Invocando os poderes de Carlos Drummond, Fernando Sabino, Rubem Braga, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes, Luis Fernando Veríssimo e Vinícius de Moraes, produzimos centenas de textos — ora líricos, ora lúdicos; ora confessionais (toda confissão é um pouco inventada), ora ficcionais (toda ficção tem um quê de confidência).
E lançamos, na sexta-feira, 22 de outubro, os dois primeiros volumes dessa experiência.
Reunimos 36 autores, dos mais de 100 que estiveram (e ainda estão) conosco nesse percurso. Contamos com um belo projeto gráfico do Sydney Michelette Junior (que ilustra minhas postagens nesta coluna), uma “orelha” do psicanalista Francisco Daudt e a apresentação do Pedro Bial. E 144 crônicas em todos os tons, sobre todos os temas.
Nos encontramos na Lagoa, ao pôr do sol, para nos conhecer pessoalmente (as oficinas eram virtuais), para nos rever e nos abraçar. Estiveram lá, autografando a obra, Adriana Florio Cairo, Ana Cláudia Cotovio, Cássia Righy Shinotsuka, Cecília Castello Branco, Daniela Simões Mendes, Fabíola Terra Baccega, Fernando Augusto Viegas, Graci Almeida, Maria Teresa Lomelino, Marianna Oliveira, Oren Perlin, Regina Dias e Tatiana Druck — gente que veio de Sorocaba, Sertãozinho, Botafogo, Belo Horizonte, São Paulo, Leblon, Juiz de Fora, Porto Alegre.
Mais os colegas de turma, de quem os próximos volumes estão à espera: Marília de Cara, Fabiana Souza Lima, Constance Mannshardt, Erica Saubermann, Nelson Moczydlower, Patricia Baptista, Carlos Azeredo, Carlos Berendonck. E os amigos / mentores Laïs Mendes Pimentel, Ronaldo Wrobel e André Gabeh. E uma penca de convidados: o maestro Silvio Viegas, a fotógrafa Ana Zinger, a pianista Monique Aragão, a escritora Sonia Rodrigues (filha do Nelson Rodrigues), a designer de joias Maricy Infante, o advogado Fábio Gradel, a professora Deborah Charlab.
A coleção se chama “Nuvens de Palavras”. E as outras nuvens, que cobriram o Rio durante tantos dias, recuaram, deixando o céu límpido, estrelado.
Pode-se ensinar a escrever? Não. Mas pode-se acompanhar os que têm o prazer da escrita no seu processo de descoberta e amadurecimento dos seus dons.
Dia 6 de novembro é o lançamento em São Paulo. Outros autores, outros amigos, outros convidados, mas a mesma festa.