A prata foi o metal com maior valorização em 2020, com alta de 53,73%, ante 28,04% do ouro. Não vou falar aqui sobre a volatilidade do mercado financeiro, mas essa notícia econômica surgiu no ano passado, mais ou menos no mesmo período em que ouvi uma das mais bonitas explicações sobre a velhice. Coincidentemente, o artista plástico mineiro Sebastião Januário, de 88 anos, no meio de uma entrevista, disse-me que se sentia “prateado”. Em seguida, com uma doçura ímpar, explicou que, com o tempo, as pessoas vão ficando grisalhas, da cor da prata — é como se a vida ganhasse outro valor. Januário foi professor de pintura de Abdias do Nascimento, o grande ativista do movimento negro no País.
Estou prestes a lançar “Prateados – a vida em tempos de madureza”, todo rodado durante a pandemia, mantendo os mais criteriosos cuidados de distanciamento. É um desafio e tanto num país que ainda sofre com demoras de vacinação. Inicialmente queríamos um filme que retratasse a vida enclausurada de parte do chamado “grupo de risco” da Covid-19; no entanto, bastou o primeiro depoimento para entendermos que o caminho seria mais profundo.
Januário, em seu depoimento franco, deu-me o título de que eu precisava, traduzindo o objetivo do filme. Se não temos a pretensão de ressignificar a velhice, ao menos discutir as múltiplas possibilidades de valores trazidos com o passar do tempo. Contudo, nossas desigualdades, uma herança escravocrata, nos levam a pensar a velhice no plural, em vários tipos de velhice: a do homem é diferente da da mulher; a do negro, bem mais desvantajosa em relação à do branco, assim como a do gay é diferente da do hétero, ou a do homem de Ipanema, que não se compara à do morador de Vigário Geral… Assim, envelhecer é, mais que uma dádiva, um privilégio.
Ouvimos as mais diferentes pessoas que, na sua diversidade, parecem se conectar de forma impressionante. Há quem faça plástica, há quem faça ioga, quem trabalhe na TV e quem ame ser aposentado. Há ainda o que baixa aplicativo de paquera e a que tem fantasias sexuais para quando a pandemia findar, assim como há os que adoram ser avós que fazem tricô para os netos. “Prateados” é um convite para repensar essas “velhices”.
Optei por começar e terminar o filme com cenas no mais absoluto silêncio. Mas não pense que “Prateados” é um filme melancólico. A velhice não deve ser melancólica. Melancólico é o cenário que vivemos no País, em meio à pandemia que normalizou o etarismo, preconceito contra uma determinada faixa etária – um preconceito velado e pouquíssimo combatido. Até 2020, nem se falava disso. “É só uma gripezinha”. “Vai morrer só velho”. “As mortes da Itália representam uma Copacabana”. “A pandemia vai aliviar o INSS”. Frases como essas reafirmam o tema tabu centrado no envelhecimento.
A analogia da velhice com uma notícia vinda do mercado financeiro, que abre esse texto, não é por acaso. O mesmo mercado que descarta os velhos reafirma a superioridade da prata. O valor dos idosos, obviamente, não se quantifica em humores econômicos, mas no seu acúmulo de sabedorias. No Brasil, idoso é o indivíduo que tem idade a partir de 60 anos, seguindo orientações da OMS, porém o ato de envelhecer nos é inseparável por toda a vida. Não nos tornamos prateados do dia para a noite, mas ao longo de uma jornada. Um cabelo branco aqui, outro acolá e, quando menos se espera, a vida se fez prateada.
Ah! O subtítulo do filme (“a vida em tempos de madureza”) é inspirado numa poesia de Drummond; mais que isso não falo. Assista e depois procure um idoso para conversar. Aproveite, a prata nunca esteve tão em alta! Mesmo que tentem dizer o contrário.
Valmir Moratelli é roteirista e pesquisador da PUC-Rio. Publicou quatro livros. Em seus trabalhos, sempre foca na discussão de temas tabus. Lançará seu segundo filme, “Prateados — a vida em tempos de madureza”, no Festival do Maranhão (disponível na plataforma guarnice.ufma.br, de 20 a 23 de setembro). No dia 27, à meia-noite, estreia no GNT; em seguida, no Globoplay.