“A união do MIS com a UERJ abre um clarão de luz para despreconceituar a arte popular dos narizes pretensiosos dos que têm horror ao povo simples do Brasil.” (Alceu de Amoroso Lima, 1968, no MIS).
Não de hoje, venho observando a falta que faz ao Rio e ao Brasil o chicote de Stanislau Ponte Preta, criado pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, para açoitar os personagens cujos absurdos e idiossincrasias compunham o que ele chamou de “Festival de Besteiras” que assola o País (Febeapa).
Sérgio morreu em 1968 e foi um enorme escritor. Também enorme carioca e brasileiro. Maior ainda, juiz dos malfeitos de seu tempo, apontando os “cocorocas” (assim Lalau chamava a turma errática) que infestavam aqueles tempos difíceis – tão difíceis ou mais que esses de agora, quando surgem aflições por todos os lados, priorizados pela tragédia da pandemia.
O personagem que titulariza a mais absurda proposta desses últimos tempos é um deputado estadual, Anderson Moraes (PSL-RJ), de quem jamais ouvi falar, cujo projeto de lei pretende a extinção da UERJ, a nossa estimada e sofrida Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Como um representante do povo pode imaginar absurdo tamanho?
Sim, não esqueçamos de que ideias estapafúrdias sobre o ensino andam circulando no instabilíssimo Ministério da Educação.
Ainda há pouco, fontes do MEC proferiram inconveniências verbais contra as universidades a pretexto de defender as escolas técnicas — como se uma coisa tivesse a ver com a outra, o que potencializa o mecanismo típico do Febeapa, o Festival de Besteiras, que, de fato, assola hoje o País. O projeto foi publicado no Diário Oficial, no último dia 19, mas protocolado em maio. De pronto, recebeu o repúdio imediato da UERJ e de outras entidades.
O próprio presidente da ALERJ, André Ceciliano, deputado equipado de boa bagagem cultural, abriu logo um clarão de luz nessas trevas ao dizer que não pautaria o projeto em plenário, atendendo a um manifesto que agregou um conjunto de instituições de ensino e pesquisa. Assinado por dez reitores de universidades e instituições de ensino público, a nota oficial afirma que a UERJ sempre foi destaque na educação, além de pioneira na introdução do sistema de cotas entre as universidades brasileiras – uma contribuição decisiva para acelerar a inclusão no ambiente universitário.
Para os reitores do estado do Rio, assinantes do manifesto, esse tipo de absurdo virou projeto de lei pelo contexto de guerra cultural contra as universidades, a Ciência, o Saber e a Cultura, empreendida pelo negacionismo de setores poderosos instalados no executivo federal. Os reitores, em manifesto aberto, dizem-se confiantes em que André Ceciliano não chancele o prosseguimento do malsinado projeto de lei, cuja aprovação constituiria um crime contra a capital cultural de sempre dos corações brasileiros, o Rio de São Sebastião, bem como contra o desenvolvimento econômico e a inclusão social em nosso estado. Entre os que assinam o documento está a nata acadêmica dos reitores: da UFF (Antônio Nóbrega), da UFRJ (Denise Carvalho), da Unirio (Ricardo Cardoso).
Confesso que procurei muitos dos meus amigos ex-reitores da UERJ ao longo desses últimos 30 anos — todos ficaram atônitos quando lhes informei da insanidade do projeto de lei. Houve uma unanimidade no que ouvi deles — o que já sabia desde 1975, quando a Universidade recebeu seu nome decisivo, com a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio — “Universidade do Estado do Rio de Janeiro”. A aclamação veio diretamente a mim pela Universidade de Oxford, com a qual estabeleci parceria com o MIS: “A UERJ é uma universidade de prestígio internacional desde os anos 50. É uma das melhores de toda a vasta América do Sul”, disse-me o reitor de Oxford, em carta que despachei imediata e diretamente para o então governador Faria Lima.
Aliás, o MIS e a UERJ estiveram ligados em momentos de inovação quando os juntei para novidades que abriram várias portas. De originalidade e de invenção, como cursos regulares de cultura popular, incluindo folclore, música, artesanato ínclito (ingênuo), estimulando núcleos de artistas paupérrimos, alguns geniais, que encaminhávamos a centros produtores europeus – especialmente Oxford — ou mesmo o MoMa, em Nova York.
Portanto, rogo ao caro presidente Ceciliano bem como ao governador Cláudio Castro que salvem a UERJ.
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical. Ele acaba de lançar o livro “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel).