“O Cristo Redentor, de braços abertos, simboliza a fé e a reflexão. E ainda o melhor, a absolvição para os cariocas.” (Murilo Mendes)
Quem escreve semanalmente, vez por outra, pode ficar entre a cruz e a caldeirinha. E a citação à cruz, uma antiga expressão idiomática, tem toda razão de ser, como veremos neste texto, que já é intuído pela alusão ao Cristo Redentor.
Perdoe-me, leitor, mas o assunto prioritário a ser perfilado hoje seria o golpe ao golpe anunciado com fartura pelo Presidente, com data marcada para 7 de setembro. Ocasião raríssima que levou Bolsonaro a produzir uma Viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido. Pior, levou-o a um buraco político que chocou o País e até o futuro de sua economia, estimulando a movimentação ilegal de caminhoneiros, provocadora de fartos prejuízos; levou-o a sequestrar e apossar-se, para exclusivo fim eleitoreiro, de uma data nacional, a maior, o Dia da Independência do Brasil — uma violenta ação histórica que há de ficar como exemplo a jamais ser repetido. Aliás, esse tipo de insulto nacional deveria ser punido severamente pelo STF e de repúdio imediato das Forças Armadas.
Pois bem, entre esses temas necessários à reflexão, o que mais me incomodou foi um pequeno evento, a passar despercebido pela vertigem dos outros acontecimentos de essência que sacudiram a nação.
Nesse sábado (11/09), o querido Padre Omar Raposo, reitor do Santuário Cristo Redentor, pequena capela aos pés da imagem monumental, dirigia-se, ao amanhecer, à concorrida capela para realizar mais um batizado, quando teve o acesso ao espaço impedido por profissionais ligados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO). Ainda bem que houve denúncia. Mas tem mais: depois de duas horas de atraso, em que pais, padrinhos e a criança foram truculentamente barrados, a cerimônia acabou sendo realizada. No mesmo dia, sábado, o Santuário, Titular da Capela e da Estátua, divulgou nota de repúdio contra a autarquia do Ministério do Meio Ambiente, administradores do Parque Nacional da Tijuca, onde fica o mais célebre ponto turístico do País.
Triste destino para a memória de Chico Mendes emprestar seu nome para autarquia tão anárquica e inconveniente. Triste destino da população carioca por sabermos, especialmente os católicos e devotos do Cristo Redentor, de tamanha grosseria e falta de tudo, sobretudo de respeito a uma criança a caminho da pia batismal. Triste destino de termos o Parque Nacional da Tijuca entregue em mãos tão abjetas.
O querido Padre Omar – insisto no querido porque conheço o sacerdote e sempre testemunhei a grandeza do seu coração, além da generosidade de se dar ao próximo — relembrou, na nota de repúdio, que o bloqueio à capela aconteceu por falta de autorização. Como autorização? Se a imagem e a capela foram erguidas há exatos 90 anos pela comunidade católica liderada pelo Cardeal Leme. E jamais o mais afoito cidadão carioca ou de qualquer parte ousou negar essa tradição para a fé do Rio, do Brasil e do mundo.
Vale acrescentar aqui que o Padre Omar (também cantor e músico, amigo de milhares de pessoas) lembrou, na nota oficial de protesto, que outros episódios recentes já haviam importunado a Arquidiocese e o próprio Cardeal Arcebispo Dom Orani Tempesta, vítimas continuadas de constrangimentos a seus convidados e seus religiosos. Agora mesmo, no dia 2 de setembro, os funcionários que fazem a gestão da iluminação do local, especialmente a estátua monumental, foram barrados na guarita da entrada das Paineiras pelos seguranças do Parque Nacional. Eles estariam subindo para pôr em risco o Cartão-Postal? Sim, em grave risco… Porque estavam subindo para iluminar o Cristo na cor verde, uma ação piedosa do Padre Omar para sensibilizar a população sobre a doação de órgãos. No dia seguinte, 3 de setembro, os convidados da Arquidiocese não puderam chegar ao Santuário, para um café da manhã, depois das orações. O Parque Nacional da Tijuca vetou o acesso à água! Nos últimos tempos, a autarquia federal ousou instalar catracas e guaritas pela Estrada das Paineiras.
Finalmente, peço a paciência do leitor para que, quando e se puder, ajude este indignado cronista a rogar, até a Bolsonaro, que libere o acesso e a posse da Estátua a seu único e legítimo titular, a Arquidiocese do Rio. Por enquanto, cabe-me aqui mais um pedido público ao governador Cláudio Castro e a André Ceciliano, presidente da Alerj, estendido também ao prefeito Eduardo Paes.
Pelo amor de Deus, deixem o maior símbolo desta cidade em paz! E liberem religiosos, como Dom Orani e o Padre Omar, de tantos constrangimentos absurdos e obtusos.
Ricardo Cravo Albin é jornalista, historiador, pesquisador musical e criador do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, que tem mais de sete mil verbetes e referência na área musical. Acaba de lançar o livro “Pandemia e Pandemônio” (Editora Batel).