Algumas das pegadinhas dos inocentes tempos de infância consistiam em perguntar quanto tempo durou a Guerra dos Cem Anos (errou: foram 116) ou que cor era o cavalo branco de Napoleão (errou de novo: ele se chamava Branco, mas era preto).
Hoje, se ainda fôssemos inocentes (somos bobos, é diferente), poderíamos atualizar para de onde vieram o arroz à grega, o pão francês e a batata inglesa, por exemplo.
A batata inglesa veio da América Central.
O pão francês, de Portugal.
E o arroz à grega foi inventado aqui mesmo, na terra do Sócrates jogador de futebol, não na do filósofo.
Outro arroz, o à piemontese, não existe no Piemonte — acho que nasceu no La Mole do Leblon. O bife à parmegiana tampouco pode ser encontrado em Parma (lá você encontra o presunto, então não precisa cancelar a viagem). A salada russa é criação de um chef francês. E quem garante que o bife à milanesa venha de Milão, e não do Brás?
A mais icônica das cantoras brasileiras, Carmen Miranda, é portuguesa — assim como o mais famoso tango argentino, a Cumparsita, é uruguaio. Sem contar que o maior cantor argentino de todos os tempos, Carlos Gardel, nasceu na França. E o mais mineiro de todos os cantores mineiros, Milton Nascimento, é tijucano. Isso que a globalização ainda não tinha sido inventada.
Pedro II, o imperador destronado, preferia ser presidente da República. Deodoro da Fonseca, que proclamou a República, era monarquista. O partido em cujo governo os banqueiros e grandes empresários mais se deram bem leva o singelo nome de Partido dos Trabalhadores. E o que elegeu o deselegante e conservadoríssimo atual presidente atendia por Partido Social Liberal.
O rio que deu nome ao Rio de Janeiro é uma baía. E o umbigo da laranja bahia é que é a laranja (a parte que a gente espreme para fazer o melhor suco de laranja que existe é, na verdade, o ovário não fecundado — logo, não existe suco de laranja bahia, mas suco de ovário não fecundado, o que não muda o gosto, mas torna muito estranho o pedido ao garçom).
A Serra do Mar é uma escarpa.
A Ilha de Guaratiba não é uma ilha.
Os três mosqueteiros são quatro.
O “tronco” da bananeira não é tronco: são folhas.
O maior exportador de castanha do Pará é a Bolívia.
O fundador da Casa do Alemão, ali na subida da serra, era iugoslavo.
Os “turcos” que emigraram para cá no século passado eram sírios e libaneses.
Voltando ao cavalo branco (ou ao cavalo Branco, como queiram) de Napoleão: o imperador francês teve dezenas de cavalos, de todas as cores que os cavalos costumam ter. Até onde se sabe, nenhum chamado Branco.
Nas pinturas, o cavalo branco ajuda a destacar a figura que o monta (alguém imagina São Jorge num cavalo preto? Pois é). O cavalo que Napoleão montava em Waterloo era mesmo branco, e se chamava Marengo.
Quando você encontrar seus colegas de primário, pode esfregar este texto na cara deles e dizer que errou, sim, a Guerra dos Cem Anos (que ficou com esse nome por uma questão de márquetchim), mas exija desculpas pelo cavalo de Napoleão. E aproveite para perguntar da batata inglesa, do pão francês e do arroz à grega.
Será sua hora da vingança. Que é um prato que não se come frio, mas requentado. E no micro-ondas.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.