Pela pandemia, minha exposição individual “O som do tempo ou tudo que se dá a ouvir”, que aconteceria no Paço Imperial, depois de cinco anos de pesquisa e planejamento, teve que ser adiada. E muito mais forte que tudo: perdi uma grande amiga, que não suportou o isolamento.
Nesse período, comecei a questionar a forma como a gente vive, a questão do consumo. Comecei a repensar a arte e se fazia sentido continuar criando objetos. Acabei produzindo poucos trabalhos, foi um período mais de reflexão. Resolvi arrumar minhas coisas e trabalhar com o que tinha em casa, como slides antigos, por exemplo. Sabe aquelas coisas que a gente vai acumulando e nunca vê? Resolvi organizar tudo e, ao longo desse processo, sentia como se estivesse, de casa, mandando mensagens para o mundo exterior. Era como se eu estivesse jogando uma garrafa ao mar com mensagens.
O número de mortes aumentou rapidamente com a covid e, quando comecei a ver os muitos cemitérios, os muitos montes de terra, não tive como não pensar no trabalho que ia desenvolver no Paço Imperial. A princípio, a terra que eu colocaria no museu estaria ligada somente à colonização, mas já não era mais possível desassociar a obra da atualidade, das cenas que víamos todos os dias, das mortes, desse aterramento, dessa falência; então essa terra ganhou mais uma camada de significados a partir das covas. Comecei a linkar uma coisa na outra e pensei em usar uma altura de seis palmos, uma montanha grande de terra para associar com esse novo cenário.
Ao mesmo tempo, o nosso país possui muitas riquezas; por isso, incluí a areia dourada no trabalho. E como uma grata surpresa, a terra veio muito fértil, com sementes, que começaram a germinar durante o período da montagem, surpreendendo a todos! Flores vão brotar ao longo do período da mostra. A grande montanha de terra estará soterrando uma cadeira, lembrando a colonização e as mortes pela covid. Misturada a ela, essa areia dourada, mostrando as riquezas e a dicotomia do nosso país.
A exposição fala sobre o tempo e a memória e também é composta por badalos de sinos quebrados, que trazem a memória de um tempo congelado, em uma tentativa de unir passado e presente. A exposição finalmente será inaugurada no dia 9 de setembro, mas trazendo a lembrança de tudo que aconteceu e dos novos tempos brotando.
Ursula Tautz é artista visual. Formou-se em Administração e estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Desenvolve experiências artísticas que buscam perverter o tempo cronológico através de sua contínua transformação, gerando novas memórias e narrativas. Nos últimos anos, o som vem se apresentando como uma nova forma de experimentação. A artista foi finalista do Prêmio Mercosul das Artes Visuais da FUNARTE e participou da Bienal Internacional de Arte da Bolívia, além de ter sido selecionada para a Bienal de Bahia Blanca, que acontecerá este ano na Argentina. Seus trabalhos integram diversas coleções particulares e o acervo do Museu de Arte do Rio (MAR).