Moro em NY, há 23 anos, e posso dizer que esta foi a semana mais difícil da minha vida. Ninguém está preparado para escutar um diagnóstico de câncer (de mama), não importa o quanto a ciência tenha avançado. Saí do consultório médico com o coração acelerado, pensamentos desconexos e uma fugaz esperança de que tudo teria sido um engano — isso não poderia estar acontecendo. Tudo o que eu queria fazer era fugir para nunca mais ser encontrada; talvez uma viagem para a lua… Foi quando recebi a ligação de uma amiga. Seu marido tinha usado maconha para tratamento médico e me contou maravilhas sobre a erva. Como sou um animal muito curioso, logo depois, já estava ligando para um médico a fim de que me prescrevesse e assinasse meu certificado de uso da cannabis.
Show! Pensei: agora sou uma maconheira de carteirinha! Tive que rir de mim mesma. Eram 16h, e a lojinha fechava às 17. Corri lá, antes que fechasse, e já fui apresentada a todos os diferentes sabores e fórmulas da planta. Passei minha vida inteira assistindo à proibição da maconha, criminalizada pela sociedade. Minha primeira e única experiência foi quando tinha 18 anos — meus amigos da escola tinham alguns baseados e trouxeram para a festa. Decidi experimentar, para logo ficar no chão por 50 minutos, pensando que ia morrer, ou nunca mais ser a mesma. Foi uma experiência assustadora. Mas agora… Então, pensei: não tenho mais tanto tempo a perder. Decidi testar novamente.
Quando entrei na linda loja, uma música calma e relaxante tocava ao fundo. Vi uma fonte, tudo bem decorado e arrumado, estantes cheias de livros, óleos, travesseiros, enfim, objetos que, de alguma forma, remetem à paz de espírito, relaxamento. Eu me senti descansando no paraíso. No lugar, havia uma espécie de cheiro como algodão doce queimado. Os vendedores pareciam calmos e amigáveis. Um segurança bonitão checou meus documentos e o certificado, e lá estava eu escolhendo o que ia comprar. “Esse aqui,” disse, apontando para o vaporizador.
O vendedor me perguntou se queria uma pílula, óleo ou alguma outra forma de maconha. Estava decidida: enchi minha bolsa com CBDs, Sativa, Indica e todas as outras formas da planta. Empolgada, não via a hora para testar meus brinquedos novos.
Quando cheguei em casa, percebi que não fazia ideia de como aquelas coisas funcionavam, sentada no meu escritório, com cara de pateta, em frente de todos aqueles apetrechos e tentando descobrir o que fazer. Imaginei que provavelmente existiria um vídeo no Youtube para esse tipo de situação. Resolvi tentar de forma mais direta e liguei para quem sabe: meu filho, de 25 anos, que pulou num táxi e veio imediatamente me socorrer. Você acredita? Pedindo ajuda a meu filho para usar maconha! Ele não conseguia segurar sua empolgação de compartilhar todo o seu conhecimento com a mãe. E, de fato, me impressionou: era realmente um especialista. Passamos, então, à fase prática.
Logo, a fumaça já enchia meus pulmões, o quarto, a casa inteira. Meu cachorro pôs o focinho na porta do quarto e decidiu entrar. Minha filha, de 18 anos veio para ver o que estava acontecendo e pediu para provar. Eu pensei: “Ah, que se foda! Somos todos adultos aqui.”
Ela odiou. Meu marido chegou também e provou. Quando percebemos, a família e os pets estavam juntos na mesma fumaceira. E, desta vez, não fiquei paranoica ou me senti marginal. Nós estávamos todos juntos, unidos talvez pelo medo, não da droga em si, mas da verdade dura em que nos encontrávamos, o fato de eu ter câncer.
Família unida, fumando unida. Naquele momento, lembrei-me da frase ‘Much to do about Nothing’, me trazendo de volta os tempos de juventude, quando fumar maconha era proibido. A verdade é que perdemos muito tempo com coisas que não deveriam importar tanto.
Foto: @rebecaphotony
Ilana Lipsztein é jornalista, empresária, carioca e mora em Nova York, há 23 anos, com os dois filhos e o marido, o oncologista Roberto Lipsztein. Durante a pandemia, lançou o blog e Instagram (@ilana_wip) com atenção especial às mulheres. Recentemente, redescobriu a paixão pela música, aprendeu a tocar o baixo elétrico e lançou três canções.