Dizem que, na vida, só há duas certezas: os boletos e a morte. Todo o resto cai no terreno das probabilidades. Fumar aumenta o risco de câncer de pulmão, colesterol alto aumenta o risco de doença cardíaca, fazer exercícios físicos diminui o risco de demência. Entretanto, todos nós conhecemos aquele senhor que fumou a vida toda e morreu aos cem anos. Isso quer dizer que o tabagismo não causa câncer de pulmão?
Seres humanos têm, via de regra, uma percepção de risco muito falha. Nossos circuitos mentais evoluíram ao longo de milhões de anos para detectar o risco imediato ameaçador da vida, como predadores. Riscos que se acumulam ao longo do tempo, ou que dependem de fatores complexos, são de difícil compreensão para a maioria de nós. Não se trata de inteligência ou conhecimento ou nível educacional. Simplesmente, nós, Homo Sapiens, evoluímos dessa maneira.
“Meu amigo sempre usava máscara e pegou covid.”; ”Meu avô se vacinou com as duas doses e, mesmo assim, ficou grave e está internado no CTI.” Essas são as frases mais utilizadas para diminuir a importância das vacinas ou das medidas de proteção. É um pensamento binário, ou tudo ou nada. Para evidenciar o absurdo por trás desse tipo de pensamento, é só pensarmos nas seguintes frases: “Meu amigo trancava a porta de casa, e ela foi assaltada do mesmo jeito”. É para deixar a porta destrancada? “Eu estudei para o vestibular e, mesmo assim, não passei.” É para parar de estudar?
Vacinas, máscaras, distanciamento social são camadas de proteção na pandemia. Quanto mais aderirmos a essas normas, menor o nosso risco de contrairmos a doença e, se ainda assim ficarmos doentes, nossa chance de ficarmos graves diminui. Nada na vida é garantido. Mas, por nós e pelos outros, temos a obrigação de nos proteger da melhor forma que conseguirmos.
Cassia Righy é intensivista, médica do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e pesquisadora do Laboratório de Medicina Intensiva da Fundação Oswaldo Cruz. Fez doutorado em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas na Fiocruz e pós-doutorado no Instituto Pasteur.