Foi um pensar impensável de irrealidade. Impossível. Ficção pura. Não era.
Eu, avessa à tecnologia, fui obrigada a entubá-la, e um pesadelo terrível tornou-se real pelas telas de TV, de computador, máscaras e celulares.
Nada era mentira: um vírus terrível, mortal, havia se apossado do mundo e estava devastando os homens. Como exigência de sobrevivência, fomos obrigados a nos isolar, a ficar de máscaras, a deixar de ter contatos uns com os outros — sem apertos de mão, sem abraços, sem beijos. As famílias mantiveram-se em casulos. Eu, com a minha família em casa, tive de manter uma calma que eu não tinha e trabalhar uma culpa por estar, repentinamente, paralisada, inativa.
Inatividade física versus produtividade; para mim, difícil de engolir.
Enfrentei o desafio de fazer quase tudo de forma virtual e de impedir que minha filha criasse a mesma rejeição que eu tinha à tecnologia ao ter de fazer aulas online.
Surpreendentemente, com o passar do tempo, minha ansiedade foi diminuindo, e uma tranquilidade, antes não experimentada, foi surgindo. Meus projetos, que antes estavam engavetados, foram voltando com força total, e uma fase criativa se impôs.
Eu nunca aceitei o lugar da reclamação pura em momentos de crise, mesmo neste momento em que o segmento da cultura vive sua fase mais sombria, achatada e atacada por incompetentes e por absoluta falta de políticas públicas. Eu não me deixei abater. Agora, depois de um longo período, estão ficando prontos para serem produzidos.
Resumo: adaptei-me! Produzi, potencializei o olhar para os que amo, melhorando e evoluindo minhas relações afetivas mais próximas, e passei a me enxergar melhor. Essa coisa de o tempo ser relativo faz todo sentido, e dessa vez, posso dizer que ele foi meu aliado. Tanto que, além de tudo, engravidei do meu segundo filho em plena pandemia, e, de maneira confortável, curti minha gravidez.
Enquanto isso, através da minha janela, a pandemia corria (e corre) solta, e o governo desgoverna.
E o meu projeto de filme, o “4×100”, cuidado, acalentado, suado, por anos e anos, pronto para nascer, também encontrou a pandemia. Impôs-se a realidade dura de quem verdadeiramente “Correu por um sonho”. E pensei: não pode morrer na praia! Mas não morreu, não. Tá aí!
O filme, “4×100 Correndo por um Sonho”, produzido pela Gullane e coproduzido por mim, estreou sem estrear. Foi para as telas grandes sem plateia, sem evento, sem comemoração.
Ficou lá por pouco tempo, indo logo para a TV, e logo mais irá para a plataforma streaming, aí sim atingindo o público.
Vai trazer, espera-se, aos espectadores um pouco de esperança, de positividade, leveza, sem, contudo, ser superficial.
Sim, porque o filme suscita questões sociais importantes e profundas, que a sociedade tem de discutir e rediscutir à exaustão, como o racismo, a igualdade e a liberdade.
Enfim, que “4×100 Correndo por um Sonho” aqueça os corações aflitos, mas não os deixem perder o compromisso com os valores básicos da humanidade e da democracia.
Do lado de cá, resta a dor de não ter podido comemorar a obra — sem estreia, sem estourar uma rolha e gritar um viva.
Estávamos no cinema: minha mãe, meu marido e eu; mais ninguém. A expectativa teve de, a duras penas, ajustar-se à realidade.
No entanto, o produto está aí, entregue, com o orgulho de quem trabalhou, lutou e chegou lá.
No mais, sigo com esperança, lutando e acreditando em dias melhores para todos nós. As Olimpíadas acenderam em mim uma luz de resgate; voltei a me reconhecer no meu país, nas minhas cores. Agora vacinada, com uma injeção de ânimo, volto a desejar ir para a rua, degustar cada mínima coisa, como meu filho de 5 meses faz, como se fosse a primeira vez.
Foto: Priscila Prade
Roberta Alonso é atriz, produtora e escreve argumentos de teatro e audiovisuais. Fundadora da produtora RAM Entertainment, em 2010, iniciou sua carreira artística no teatro, onde produziu e atuou em peças como “A Comédia dos Erros” (2009/2010), de William Shakespeare, dirigida por Carlo Milani e Jairo Mattos; e “Intimidades” (2013/2014), escrita por Gustavo Machado, com direção de Bruce Gomlevsky. Estreou “4×100 – Correndo por um Sonho”, longa de sua idealização, produzido pela Gullane em coprodução com Globo Filmes, Telecine e RAM. O filme, que conta com a própria Roberta, Thalita Carauta, Fernanda de Freiras, Cintia Rosa e Priscila Steinman no elenco, e tem a direção de Tomas Portella, está disponível nas principais plataformas digitais.