Minha arte expõe a dor no feminino que vem da ditadura de um corpo perfeito — vivida por mim, que fui obesa —, da intolerância, da violência física e psicológica. Vivi na clausura de mim mesma. Escolha própria? Não, uma imposição da hipocrisia da sociedade, que procura corpos perfeitos inexistentes. Descobri quem sou e me liberei de quem eu não era. As peças que produzo são um reflexo da minha luta com o meu corpo desde a minha adolescência (cheguei a pesar 102 kg aos 18 anos), na busca pela magreza com intuito de ser aceita, algo muito particular e que, ao colocar em minhas peças, busco me comunicar com outras mulheres que passam pela mesma experiência.
Há três anos, venho construindo uma linguagem artística usando o arame farpado, pois, para mim, ele é a síntese da mensagem que quero passar: ele corta, fere, marca a pele, segrega, separa e impõe limites com dor física!
Nunca minha obra se fez tão contundente como agora, um momento de terrível retrocesso dos direitos femininos, impostos com absurda crueldade, como a tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão, em que muitos temem que as mulheres percam os direitos conquistados nos últimos 20 anos — da última vez que o grupo fundamentalista governou o país, entre 1996 e 2001, mulheres não podiam trabalhar, estudar ou sair de casa desacompanhadas. Contudo, essa barbárie vai muito além da questão feminina: são crianças, homens e famílias inteiras sendo separadas e divididas em pleno século XXI. Como é agonizante assistir a esse “mundo farpado”.
Acompanho estarrecida as imagens e notícias que chegam do Afeganistão, uma sensação de impotência absurda. Sei bem como é estar presa em mim mesma e não encontrar um refúgio, a fuga. Foi preciso encontrar a coragem. E imagino o que seja ter que voltar à escuridão quando se havia conquistado a luz. Regredir sem que lhe peçam licença, ter que viver novamente no silêncio. É fácil pra mim, para nós mulheres que estamos no Brasil, encontrar a liberdade interna. Mas isso é quase impossível com o Talibã. Como pode uma mulher sendo subjugada, apedrejada, feita de escrava sexual, sem nenhum direito, tentar encontrar sua liberdade interna?
Abrigo-me na arte, onde exponho minha indignação na forma de um manifesto, onde conto a minha história, desnudo meu corpo e traduzo a minha alma. Trago a realidade que já foi a minha dor e que persegue várias mulheres que se mutilam dia a dia. E a história se repete; infelizmente, parece não ter fim. Não é reprise de um filme ruim; hoje é a urgência do socorro humanitário, e não podemos calar-nos.
A carioca Patrícia Guerreiro é artista plástica e formada em Jornalismo e Publicidade. Aos 11 anos começou a pintar e desenhar, mas foi pela cerâmica que se apaixonou: em formatos diversos, adicionando elementos, como cimento, cobre, titânio, fibra de aço, vidro, caligrafia, com muita criatividade. Saiba mais sobre a artista no @patriciaguerreiroarte/