Se, antes de março de 2020, a maioria das queixas de pessoas que buscavam uma análise concentrava-se, inicialmente e de um modo geral, na insatisfação em seus relacionamentos, familiares, afetivos ou de trabalho, deixando as questões mais profundas relativas à angústia para um segundo tempo, hoje percebemos que os sintomas de ansiedade, depressão e pânico aparecem mais aflorados. A pandemia desencadeou uma epidemia de medo, estresse e depressão.
O contato iminente com a morte desvelada trouxe à tona a fragilidade do ser, apontando a sua castração e gritando “tu és impotente perante essa situação”. Grande golpe em nosso narcisismo, um abalo na nossa confiança, nas nossas certezas e autoestima.
Recentemente, uma pesquisa feita pela OMS aponta que 9,3% da população brasileira sofre de ansiedade, o maior índice do mundo; 5,8% sofrem de depressão, o maior índice da América Latina, o segundo maior das Américas, só perdendo para os Estados Unidos, 5,9%. Pessoalmente, apenas a partir de uma análise puramente empírica, penso que, como se não bastasse a pandemia com seus efeitos de devastação, fato que vale para todos os povos do mundo, chegamos a essa “medalha de ouro” devido ao nosso atual cenário político. Cenário, pois assistimos a um teatro repleto de bufões a promover dicotomias nas informações, um discurso que só gera mais insegurança e incertezas. Nós, seres humanos, precisamos de um mínimo de confiança para não sucumbirmos à depressão. Mas, hoje, não quero me aprofundar na questão política, e, sim, falar sobre a epidemia psíquica causada pela pandemia e seus efeitos na demanda terapêutica.
Nossa sociedade chegou a um limite de incertezas tão desestabilizante que não foi mais possível sustentar-se sozinho. A terapia virou manchete, psicanalistas e psicólogos nunca foram tão valorizados. Finalmente, as pessoas se autorizaram a buscar esses profissionais, deixando de lado antigas amarras, como “não tenho tempo”, “não tenho dinheiro” ou “não acredito”. Para atender a essa demanda, muitas instituições, psicanalistas e psicólogos se dispuseram ao atendimento social; aliado a isso, a análise online tornou-se uma realidade irreversível. Esses dois fatos abriram as portas para uma demanda não mais reprimida. Hoje, há um ano e meio vivendo imersos numa pandemia que parece se renovar a cada instante, tratar da saúde mental é quase que uma obrigação — o preconceito à análise transformou-se num bem-dizer anunciado por aqueles que se permitiram e perceberam o valor desse tratamento.
Luciana Torres, a Tati, é psicanalista e coordenadora do setor de Saúde Mental da Ápice Saúde, no Jardim Botânico. É mestre em Psicanálise pela UERJ, pós-graduada em Psicologia Clínica pela PUC-RJ e integrante dos Fóruns do Campo Lacaniano (IFFCL).