Sempre gostei do humor involuntário, mais até que do nonsense, antigamente conhecido pela alcunha de “infame”. Talvez por ser o mais engraçado.
Dentro do humor involuntário, meu favorito é o que envolve as ambiguidades do idioma. Meus neurônios racham o bico quando uma frase não apenas tem duplo sentido, mas o segundo sentido não faz sentido algum. Ou produz uma imagem mental absurda, incompatível com as boas intenções originais.
Trabalhei muitos anos numa agência bancária no interior de Minas, onde sempre aparecia alguém para adoçar um cheque, pagar o carneiro do INSS, amortecer uma dívida, delatar o prazo de um empréstimo. Como arquiteto, lidei com quem queria esquadrilha de alumínio ou um ambiente com iluminação genital. Era divertido imaginar a cena, e a graça estava nisso, não no lapso de quem trocou uma palavra por outra parecida.
Com o jornalismo expresso dos portais de notícias, o que não falta é manchete ou texto mal redigidos, dando margem a leituras disparatadas. Não ponho a culpa no estagiário ou na “geração Paulo Freire” (se seu método fosse efetivamente aplicado, teríamos muito menos analfabetos — inclusive os funcionais — no país). Mas acabei por me tornar um adicto nesse tipo de vacilo. E descobri que não estou sozinho.
Recebo diariamente um monte de printes de tela com barbaridades cometidas principalmente — mas não só — nos blogues de fofoca, nas páginas policiais. Não rio dos divórcios dos artistas, das traições das subcelebridades, dos assassinatos passionais, mas do divórcio entre o que se diz e o que se queria ter dito, das traições à lógica e do assassinato (com requintes de crueldade, sem dar chance de defesa à vítima) do coitado do idioma.
Costumo compartilhar essas manchetes e notícias no meu perfil no Facebook — e não há postagem sobre ambiguidades na linguagem em que não apareça algum refém do pensamento concreto disposto a ostentar superioridade moral. É quem não só não entendeu nada como não resiste à comichão de alardear as próprias virtudes.
Cada postagem é um certame de nobreza, decoro e autolouvação. Como num concurso de miss, os comentários vêm em traje típico (“Não consigo rir da desgraça alheia“), de gala (“Piada de mau gosto.“) e de banho (“Nojo de gente como vocês!”).
Sempre desconfio de quem não tem senso de humor. Mas entendo que nem todo tipo de humor agrade a todo mundo.
Sempre desconfio de quem não tem senso de humor e não se conforma que outros possam tê-lo. Mas desconfio mesmo é de quem, não tendo senso de humor, não se conforme que outros possam tê-lo, e exiba a própria concretude de pensamento como se fosse uma cauda de pavão. E sem se dar conta de que o humor involuntário do estagiário ou do redator apressado não chega aos pés daquele contido no seu comentário indignado.
O dia em que essas pessoas deixarem de se pavonear, a brincadeira perderá boa parte da graça.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.