No dia seguinte ao lançamento do meu livro, parti rumo a Eugenópolis, a pequena cidade de Minas onde vivem meus pais. Essa busca pelo convívio com quem mais amo serve justamente como emblema da forma como reagi ao drama da pandemia da covid-19. Todo o contexto de dor e medo em que cada um de nós se viu lançado, de uma hora para a outra, sem aviso, me fez dar valor, como nunca antes, àquilo que realmente importa: as coisas simples da vida.
Estar de novo em Minas, com meus pais, traz de volta a lembrança do medo inédito que senti quando todos nós contraímos o maldito vírus, ao mesmo tempo. Não esquecerei da angústia que senti diante do risco de perdê-los – meu pai chegou a apresentar um quadro mais grave.
Mal pensei em mim por um momento que fosse. Minha preocupação era ajudá-los a superar, da melhor forma possível, aquele período sem engrossar as trágicas estatísticas que surgiam no rastro da covid.
Vivi na pele a experiência intensa, e os inúmeros relatos que ouvi levaram-me a escrever o livro. Se já tinha ficado abalada diante dos depoimentos, me ver naquele cenário como mais uma vítima foi colapsante. Entre os relatos, está o de uma enfermeira que me marcou muito: “Ajudo pessoas com essa doença, mas não consegui ajudar meus pais: perdi os dois para a covid-19. Sinto-me culpada porque não consegui fazer nada por eles”. E, assustadoramente, também ouvi depoimentos de quem se negou a acreditar no tamanho da tragédia: o famoso discurso de que era “só uma gripezinha”.
E é interessante como, ao mesmo tempo tão dura e triste, a pandemia serviu para mim como oportunidade para, enfim, depois de uma trajetória de autoria de livros infantis, produzir um conteúdo adulto. Já tinha essa vontade de conhecer esse outro jeito de escrever, tanto com forma quanto com conteúdo. Só não sabia como e quando o desejo se materializaria em livro.
Os relatos que chegaram, todas as emoções envolvidas no difícil cotidiano com a doença, me deram a certeza de que chegara a hora. Contudo, mais do que uma espécie de ‘intérprete’ dessas emoções, acho que acabei escrevendo quase como que na primeira pessoa.
Identifiquei-me integralmente com tudo que me tinha sido relatado. Entendi, da forma mais clara, o valor daquele café em família, das atividades do dia a dia que negligenciamos, em nome do ritmo apressado da vida.
Tenho aprendido muito — é um processo — apesar de minha grande experiência profissional como psicóloga, e do tanto de dor e vitória que já vi. Falo muito em autocuidado, na importância de olharmos para nós mesmos, mas não posso deixar de destacar que é fundamental cuidarmos de quem está junto a nós.
Sem dúvida, a grande lição que penso que se pode tirar desta tragédia é a importância de valorizarmos o simples, que parece dado, e que, por isso, muitas vezes desprezamos. Espero que, em algum momento, as novas gerações possam pegar este livro, ler e compreender o que o ser humano sentiu nestes tempos.
Nunca fez tanto sentido para mim o quão mais necessário é ser do que ter, é pensar no outro antes mesmo de pensar em nós. Aquela conversa gostosa e sem compromisso na cozinha, tomando um café sem olhar o relógio e ouvindo o canto dos pássaros ao fundo é tudo o que quero da vida.
Carina Alves é psicóloga com especialização em Psicologia do Esporte, doutoranda em Educação na Perspectiva Inclusiva pela UFRRJ, empreendedora social, escritora e gestora de projetos educacionais de cooperação com países europeus. Em 2018, fundou o Instituto Incluir, com sede no Rio, que trabalha com pessoas com algum tipo de deficiência e encontra no esporte um caminho para a reabilitação. Também criou o Literatura Acessível, primeira série de 10 livros infantis distribuídos gratuitamente. No último dia 6 de agosto, Carina lançou o livro “Covid-19 – Emoções em Colapso” (Editora Brazil Publishing), com 56 histórias de sobreviventes da pandemia — incluindo ela.